Cresce a concentração na praça, pequena multidão acotovelando-se em torno ao veículo.
- Veja os pneus. Que brutalidade!
- Que beleza!
- Você ouviu a buzina? Tocou o começo da Cidade Maravilhosa.
- Cada coisa!
No bar, é grande o movimento. Os comerciantes abandonaram lojas e armazéns. Plínio Xavier orgulha-se de ter sido o primeiro a ver a máquina e a perceber os pilotos.
- Estava bem do meu, fazendo contas de uns fiados…
O riso de Osnar, ri de quê? Os olhares se desviam: na porta da Igreja, Cinira conversa com as beatas. Ainda não assentou praça no batalhão mas não vai tardar.
- …quando ouvi aquele barulho horrível, larguei tudo…
Astério e Elisa somam-se ao grupo. Na hora do perigo, ele fora correndo para casa, preocupado com a esposa: Elisa, na lua-de-mel da chegada da irmã, anda nervosa, aflita, num pé e noutro. Juntos vieram para a praça, espiar a máquina, ela tão nos trinques a ponto de quase botar no chinelo a Rainha do Espaço de mancha platinada nas ruivas melenas. A mancha platinada alucina Osnar que confidencia a Seixas e a Fidélio:
- Eu juro a vocês que se eu pegasse aquela marciana começava a lamber da ponta do dedo grande do pé. Levava bem três horas até chegar ao umbigo… Dava-lhe uma surra de língua…
- Porcalhão! Seu Edmundo Ribeiro não é exactamente um puritano mas certos hábitos sexuais lhe parecem indignos de homem macho e honrado. Pegar mulher na cama, montá-la, muito que bem. Mas por a língua… Beijos, só na boca e em boca limpa.
Edmundinho, meu filho, não venha me dizer que você nunca fez um minete na vida… nunca chupou um favo…
- Me respeite, sou homem honesto sério e asseado.
Na Agência dos Correios e Telégrafos, ferve a discussão. Ascânio Trindade apresenta minucioso relatório a dona Carmosina, na presença do comandante Dário de Queluz que prevê a voz da lástima:
- Você, meu querido Ascânio, com essa mania de turismo em Agreste, ainda vai pagar caro, você e todos nós. Um dia, um maluco qualquer lê essas bobagens que você e Carmosina mandam para os jornais, leva a sério, bota de pé um negócio para explorar a praia de Mangue Seco, a água e o clima de Agreste e nós vamos terminar mal. Em dois tempos, isso vira logo um inferno.
- Um inferno, por que, Comandante? Nunca ouvi dizer que uma estação de águas fosse um inferno. Ao contrário é um local de descanso, de repouso – intervém dona Carmosina – Você sabe bem que ninguém defende mais a natureza do que eu, a natureza, a atmosfera e a beleza de Agreste. Mas que mal existe numa estação de águas?
- Uma estação de águas na cidade, vá lá. O pior é a praia que Ascânio quer engolir de gente, de toda a espécie de porcaria…
Salta Ascânio:
- Que porcaria? Casas de veraneio para turistas, hotel, restaurantes. A praia de Acapulco, a de Saint-Tropez, a de Arembepe, são por acaso porcarias, infernos? O futuro de Agreste, Comandante, está no turismo.
- São infernos, sim, são porcarias. Ainda outro dia A Tarde publicou uma reportagem sobre Arembepe: virou a capital dos hipies, a capital sul-americana da maconha. Você já pensou Mangue Seco repleto de cabeludos e maconheiros? Deixe nosso paraíso em paz, Ascânio, pelo menos enquanto a gente viver.
- Quer dizer que o senhor prefere, Comandante, que Agreste continue a ser um bom lugar para se esperar a morte.
- Prefiro sim, meu filho. A morte aqui tarda e retarda, não desejo mais que isso. O ar puro sem contaminação. A praia limpa.
Ascânio olha para dona Carmosina, aliada, ela toma a palavra:
- Quem falou em contaminar? Hipies não digo, se bem a filosofia deles seja também a minha, paz e amor, a coisa mais bonita que se inventou neste século! O diabo é a droga. Mas turistas com dinheiro, não vejo mal, Comandante. Boas casas de veraneio, comércio animado, bons filmes, e então? Ninguém pode ser contra.
Arranha-céus, hotéis, a corrida imobiliária, o fim do coqueiral, das árvores, do sossego, da paz! Deus me livre e guarde! Felizmente isso não passa de delírio de vocês…
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