Tieta do Agreste
DA LUZ E DAS VIRTUDES DE TIETA, COM CITAÇÔES EM LATIM
Plantadores de mandioca, criadores de cabras, os pescadores e os contrabandistas, na cidade do Agreste e nos povoados vizinhos, das margem dos rio às encapeladas vagas da barra, ninguém deixou de tomar conhecimento do espantoso evento e o beato Possidônio, em Rocinha, anunciou o Apocalipse e o fim do mundo, assuntos da sua particular predilecção. Apoiava-se nas escrituras, no Velho Testamento.
Eis que de repente, conforme constataram os habituês no Areópago, começavam a suceder coisas em Agreste, arrancando o burgo da pasmaceira habitual, provocando agitados comentários, suscitando discussões.
Os fios eléctricos, suspensos sobre postos colossais, caminhavam pelo sertão no rumo do município e, em obediência às ordens superiores, o faziam com rapidez anormal em obras públicas. De quando em quando, um jip com engenheiros e técnicos desembocava nas ruas tranquilas, o bar de seu Manuel ganhava animação. O engenheiro-chefe garantia que dentro de mês e meio, dois meses no máximo, os fios chegariam à cidade, trabalho concluído, podendo-se marcar a data para a festa da inauguração. Em se tratando de município de tanto prestígio federal, talvez comparecessem figuras da alta direcção da Companhia do Vale de São Francisco, quem sabe até o director-presidente vindo especialmente de Brasília.
Já não duvidava de nada o engenheiro-chefe depois que o informaram ter sido uma viúva em férias na terra natal que obtivera, por intermédio de amigos do finado, em vida milionário e influente, as ordens preferenciais mandando reformar o projecto para que nele coubesse, com prioridade absoluta, o município de Sant’Ana do Agreste. Difícil de acreditar mas sendo a afirmação unânime, o engenheiro terminara demonstrando interesse em conhecer e saudar a ilustre dama capaz de modificar projectos aprovados, removendo postes, determinando rotas para luz e força.
Pessoas dada e simples, conforme lhe informou Aminthas. Nem por ser riquíssima viúva de comendador do Papa e frequentar a alta sociedade do sul, possuindo as melhores relações – das quais a prova mais concreta era o falado engenheiro estar ali no bar do lusitano, bebericando cerveja – nem por tudo isso carrega o rei na barriga. Com dois telegramas resolvera o assunto, dera uma bofetada no director cheio de si que tratara o representante da cidade, Ascânio Trindade, secretário da prefeitura, como se ele fosse um joão-ninguém e Agreste não passasse de terra esquecida por Deus. Sem levar em consideração as credenciais de Ascânio, o facto do moço encontrar-se em Paulo Afonso em defesa de interesses legítimos de sua terra, o director-presidente deixara-o mofar à espera antes de despachá-lo com redonda negativa, recusando-se a ouvir os seus argumentos. Agreste, para ele, não passava de árido pasto de cabras e assim o disse. Indignou-se dona Antonieta ao saber do acontecido, telegrafou. Foi tiro e queda.
Aminthas enfeitara a história ao contá-la ao engenheiro-chefe, rindo-lhe nas fuças:
- Dona Antonieta Esteves Cantarelli é o nome dela. Naturalmente o amigo já ouviu falar no Comendador Cantarelli, grande industrial paulista. Empacotou recentemente.
O engenheiro, vencido, escondeu o desconhecimento: o nome lhe soava, disse, com o mesmo acento dos Mattarazzo, dos Crespi, dos Filizzola. Ergueu o copo da cerveja, em respeitoso brinde à senhora Cantarelli. Não só Aminthas o acompanhou, todos os presentes associaram-se à homenagem. O povo, agradecido, ainda no espanto da dádiva inesperada, ao referir-se à nova iluminação não a designava Luz de Paulo Afonso, Luz da Hidrelétrica ou Luz da Companhia Vale São Francisco, como seria justo e correcto e em toda a parte se dizia. Para a gente de Agreste era a Luz de Tieta.
Quando, na quarta-feira seguinte aos festivos acontecimentos de domingo, Tieta viera a Mangue Seco para assinar no cartório a escritura dos terrenos, fora surpreendida com uma faixa colocada na praça da Matriz, entre dois carunchosos postes de iluminação antiga, nas proximidades da casa de Perpétua. O povo de Agreste saúda agradecido dona Antonieta Esteves Cantarelli. Apenas um senão: a palavra Esteves havia sido acrescentada, por exigência de Perpétua e Zé Esteves, depois da faixa concluída. Colocaram-na entre os outros nomes mas acima deles, defeito pequeno, não empanava o efeito impressionante das letras vermelhas sobre o fundo branco do madrasto.
EPISÓDIO Nº 90
DA LUZ E DAS VIRTUDES DE TIETA, COM CITAÇÔES EM LATIM
Plantadores de mandioca, criadores de cabras, os pescadores e os contrabandistas, na cidade do Agreste e nos povoados vizinhos, das margem dos rio às encapeladas vagas da barra, ninguém deixou de tomar conhecimento do espantoso evento e o beato Possidônio, em Rocinha, anunciou o Apocalipse e o fim do mundo, assuntos da sua particular predilecção. Apoiava-se nas escrituras, no Velho Testamento.
Eis que de repente, conforme constataram os habituês no Areópago, começavam a suceder coisas em Agreste, arrancando o burgo da pasmaceira habitual, provocando agitados comentários, suscitando discussões.
Os fios eléctricos, suspensos sobre postos colossais, caminhavam pelo sertão no rumo do município e, em obediência às ordens superiores, o faziam com rapidez anormal em obras públicas. De quando em quando, um jip com engenheiros e técnicos desembocava nas ruas tranquilas, o bar de seu Manuel ganhava animação. O engenheiro-chefe garantia que dentro de mês e meio, dois meses no máximo, os fios chegariam à cidade, trabalho concluído, podendo-se marcar a data para a festa da inauguração. Em se tratando de município de tanto prestígio federal, talvez comparecessem figuras da alta direcção da Companhia do Vale de São Francisco, quem sabe até o director-presidente vindo especialmente de Brasília.
Já não duvidava de nada o engenheiro-chefe depois que o informaram ter sido uma viúva em férias na terra natal que obtivera, por intermédio de amigos do finado, em vida milionário e influente, as ordens preferenciais mandando reformar o projecto para que nele coubesse, com prioridade absoluta, o município de Sant’Ana do Agreste. Difícil de acreditar mas sendo a afirmação unânime, o engenheiro terminara demonstrando interesse em conhecer e saudar a ilustre dama capaz de modificar projectos aprovados, removendo postes, determinando rotas para luz e força.
Pessoas dada e simples, conforme lhe informou Aminthas. Nem por ser riquíssima viúva de comendador do Papa e frequentar a alta sociedade do sul, possuindo as melhores relações – das quais a prova mais concreta era o falado engenheiro estar ali no bar do lusitano, bebericando cerveja – nem por tudo isso carrega o rei na barriga. Com dois telegramas resolvera o assunto, dera uma bofetada no director cheio de si que tratara o representante da cidade, Ascânio Trindade, secretário da prefeitura, como se ele fosse um joão-ninguém e Agreste não passasse de terra esquecida por Deus. Sem levar em consideração as credenciais de Ascânio, o facto do moço encontrar-se em Paulo Afonso em defesa de interesses legítimos de sua terra, o director-presidente deixara-o mofar à espera antes de despachá-lo com redonda negativa, recusando-se a ouvir os seus argumentos. Agreste, para ele, não passava de árido pasto de cabras e assim o disse. Indignou-se dona Antonieta ao saber do acontecido, telegrafou. Foi tiro e queda.
Aminthas enfeitara a história ao contá-la ao engenheiro-chefe, rindo-lhe nas fuças:
- Dona Antonieta Esteves Cantarelli é o nome dela. Naturalmente o amigo já ouviu falar no Comendador Cantarelli, grande industrial paulista. Empacotou recentemente.
O engenheiro, vencido, escondeu o desconhecimento: o nome lhe soava, disse, com o mesmo acento dos Mattarazzo, dos Crespi, dos Filizzola. Ergueu o copo da cerveja, em respeitoso brinde à senhora Cantarelli. Não só Aminthas o acompanhou, todos os presentes associaram-se à homenagem. O povo, agradecido, ainda no espanto da dádiva inesperada, ao referir-se à nova iluminação não a designava Luz de Paulo Afonso, Luz da Hidrelétrica ou Luz da Companhia Vale São Francisco, como seria justo e correcto e em toda a parte se dizia. Para a gente de Agreste era a Luz de Tieta.
Quando, na quarta-feira seguinte aos festivos acontecimentos de domingo, Tieta viera a Mangue Seco para assinar no cartório a escritura dos terrenos, fora surpreendida com uma faixa colocada na praça da Matriz, entre dois carunchosos postes de iluminação antiga, nas proximidades da casa de Perpétua. O povo de Agreste saúda agradecido dona Antonieta Esteves Cantarelli. Apenas um senão: a palavra Esteves havia sido acrescentada, por exigência de Perpétua e Zé Esteves, depois da faixa concluída. Colocaram-na entre os outros nomes mas acima deles, defeito pequeno, não empanava o efeito impressionante das letras vermelhas sobre o fundo branco do madrasto.
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