quinta-feira, maio 28, 2009


Tieta do Agreste



EPISÓDIO Nº 145


ONDE FINALMENTE BARBOZINHA DECLAMA COMO DEVIDO SEU POEMA E ASCÂNIO TRINDADE LANÇA PROCLAMAÇÂO AOS DE SANTANA DO AGRESTE


Soldados de derrotado regimento da caridade, batendo em retirada, atravessaram a praça e refugiaram-se em casa de Perpétua, onde, na varanda, estendida na rede, Tieta convalesce. Animada curriola, repartida entre a indignação e o riso, ainda sob o comando de dona Milú, demissionária:

- Ai, Tieta, minha filha, não tenho físico para aguentar uma tareia dessas. Para outra igual, Ascânio não conta comigo.

Arrastam cadeiras, colocam-se em torno da rede. Tieta reclama detalhes, enquanto beija a mão de padre Mariano e se regala a admirar Ricardo, ainda de sobrepeliz branca, levita do santuário. O reverendo veio apenas dizer-lhe bom dia mas aceita um copo de suco de cajá antes de retornar à igreja, arrastando consigo o seminarista. Tieta prende um suspiro, sócia de Deus, cada qual com os seus horários.

Elisa, mancando, vai à cozinha preparar um café bem forte para o ofendido Barbozinha. A pequena Araci equilibra nos braços magros pesada bandeja com copos de sucos de frutas: de manga, de mangaba, de cajá, de umbu. As primas de Seixas espiam para o interior da casa onde penetram pela primeira vez, desejando bispar o máximo. Cutucam-se maliciosas, envesgam os olhos para a rede onde as carnes rijas de Tieta se exibem no decote e no abandono do negligé de nailon, amarelo com redes brancas, o fino.

Perpétua escolta o padre até à porta da rua. De regresso elogia o gesto dos industriais, a valiosa oferta de brindes de natal às crianças da cidade. Tentara convencer Peto a entrar na fila mas o peralta sumiu de suas vistas. Da janela, espiara o movimento, condena a má educação do povo.

- Essa gentinha não merece a caridade de ninguém. Então os homens mandam um avião de presentes e o resultado é essa vergonheira… Até dá nojo.

Tieta toma a defesa do povo do Agreste, humanidade sofrida, condenada à miséria, cujos filhos não conhecem outros brinquedos além de bruxas de pano e caminhões feitos com restos de madeira, tampas de cerveja no lugar das rodas.

- Eles são pacientes demais.

Dividem-se as opiniões, a discussão ameaça pegar fogo, a atmosfera guerreira da Prefeitura invade a pacífica varanda da mansão onde as paulistas onde as paulistas se hospedam. Seixas, por uma vez exaltado, a favor de Tieta, defendendo o direito dos povos à revolta. Elisa, exibindo o pé inchado, consequência do pisão de potente lavadeira disposta a obter bonecas e cornetas para os oito filhos, não encontra desculpas, nem para a má-educação do zé-povinho nem para a ausência da malta do bilhar.

Não se refere a Astério, de plantão na loja, sem poder abandonar o balcão, na véspera de natal sempre se vende alguma coisa. Mas Osnar, Aminthas, Fidélio, eles e outros, deixaram-se ficar no botequim, de taco e giz na mão, em vez de atender ao pedido de Ascânio comparecendo à Prefeitura para ajudá-las a conter as feras, porque não passam de feras…

Presidente da comissão de Honra, dona Milú, devia ser a mais indignada, a primeira a condenar a grosseria geral. Muito ao contrário, defende os canibais:

- Feras coisa nenhuma! Pobres, somente pobres e nada mais. Brigando, se atropelando por uma bonequinha de plástico que não vale dez réis de mel coado, por uma corneta de latão, para dar aos pobrezinhos dos meninos. Por falar nisso, que ideia péssima essa de oferecer cornetas… Não podiam escolher outra pinóia qualquer?

Observação com a qual todos estão de acordo: o vibrante concerto de cornetas, tantas e tão estridentes, sopradas em conjunto, fora o pior da festa. Dona Milú volta-se para o poeta que ainda não abriu a boca:

- Tenho que ir embora, deixei Carmô na cama, com febre; quando se resfria fica enjoada como ela só, vira alfenim. Mas antes quero ouvir os versos de Barbozinha. Lá não deu jeito. Por causa das cornetas.

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