Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 151
DE NOVA E DISCRETA CONVERSA NO ELEGANTE AMBIENTE DO REGÚGIO DOS LORDES, DISCRETA APESAR DA GROSSURA (EM TODOS OS SENTIDOS DE SUA EXCELÊNCIA)
- Meus caros, o que vocês estão pleiteando é de lascar. O que eu devia fazer era meter vocês na cadeia.
Assim falou, para começo de conversa, Sua Excelência. Havia retirado o paletó; a rapariga nua sentada sobre as suas pernas brincava com os suspensórios negros que sustentavam as calças do eminente estadista, resguardando-lhe as banhas da barriga. No rosto avelhentado de Sua Excelência, placas vermelhas. Os olhos astutos, os gestos laços, a voz arrastada, a vulgaridade e a prepotência.
O Magnífico Doutor não responde, apenas sorri, espera que as meninas acabem de servir as bebidas e se retirem. Uma delas lembra Bety, toda ruiva, desperta-lhe o apetite. Quem sabe, ao fim da entrevista.
Tão pouco o Velho Parlamentar se sente confortável na presença das raparigas. Nada tem contra elas nem contra o facto de estarem nuas, o Velho Parlamentar frequenta a casa há séculos, habitue desde os tempos de Madame Georgette, quando o actual Refúgio dos Nobres ainda se chamava Nid D’Amour. Gosta de raparigas e vê-las nuas, não existe melhor colírio para a vista cansada segundo afirma. Mas tudo tem sua hora e seu lugar e se o lugar é o adequado para o nu artístico, o assunto não o é para ouvidos estranhos, não se devendo misturar alhos com bugalhos. Uma das nudistas apoia-se no elegante guarda-chuva negro de propriedade do Velho Parlamentar.
Educado em Oxford, o Velho Parlamentar adquiriu hábitos e feições de lorde inglês: alto e magro, bem escanhoado, bigode branco e altivo, traje cortado em alfaiate londrino, roseta na lapela, a aparência fleumática. Os modos populacheiros de sua Excelência certamente lhe desagradam. Sua Excelência é o oposto de um lorde inglês e não fora a posição alcançada – pobre São Paulo! – dada de mão beijada por Vargas nos tempos da outra ditadura, posição renovada e mantida à custa dos mais variados e discutíveis recursos e alianças, jamais lhe seria permitida a entrada em círculo tão distinto e reservado.
Tendo Sua Excelência falado em cadeia, o Velho Parlamentar permite-se tossir, para adverti-lo da inconveniência de tratar assuntos de monta, de altos interesses e patrióticas ilações, na presença de garotas de indiscutível graça e tentador apelo mas decididamente impróprias para a ocasião e o elevado debate socio-económico. Pigarreia com cautela, a medo: Sua Excelência, impulsivo, ao ser interrompido, por vezes reage com ofensiva brusquidão. Costuma tratar os auxiliares directos, secretários, oficiais de gabinete, de ladrões – empregando aliás termo próprio pois o são e como! – e não respeita nem idade provecta nem mandato parlamentar dos correligionários, sobretudo agora com o poder legislativo tão por baixo.
Ao ouvir o tímido pigarro, Sua Excelência faz uma careta, a pique de abrir a boca para dizer o que pensa do Velho Parlamentar e da sua mania de prudência e discrição mas se contém. De facto, o gracioso gesto da menina sentada em suas pernas, a lhe massajar sabiamente o cangote, é incompatível com a reunião de trabalho: um estadista nem sequer num rendevu pode se entregar ao relax. Tratará de fazer a conversa concreta e breve. Com uma palmada no doce traseiro, desaloja a menina e a despede recomendando:
- Esperem no quarto – Sorri para a outra, a picante ruiva que despertou o interesse do Magnífico Doutor, a seguir a cena, conformado. Nem tudo na vida são flores, não é mesmo? Muitas ruivas existem por aí. Seja tudo pelo bem da Pátria!
Saem as raparigas, garrido séquito, deixando as garrafas e os copos servidos. Uísque daquela marca não existe no Palácio dos Campos Elíseos, somente encontrado no Joquei Clube e no Refúgio dos Lordes. Sua Excelência, conhecedor:
- Isso, sim, é uísque, o resto é porcaria. Mando comprar do melhor, os ladrões compram uísque falsificado, embolsam o troco. Devia meter todos na cadeia. Vocês também. A directoria inteira.
O Audacioso Empresário, orgulhosa e árdega juventude, saído de famosa Escola de Administração e Economia onde hoje dita conferências, após brilhante curso de executivo nos estados Unidos, competentíssimo tecnocrata, um dos cérebros mais dotados da nova geração, ameaça abrir a boca para replicar mas o Magnífico Doutor o impede com um gesto quase imperceptível. Se ele protestar, vai pôr tudo a perder: assusta-se o testa-de-ferro pago também para evitar impensadas gafes dos senhores directores, técnicos formidáveis, políticos desastrados e – muito em particular – aos militares.
Ao ver Sua Excelência sorrir, baixando os suspensórios, num gesto bonacheirão, parecendo um caipira, o Audacioso Empresário reconhece a experiência e a habilidade do Magnífico Doutor; para tais missões, imbatível em esperteza e tino. Sua Excelência inicia a cobrança:
- O Senador pode dizer o trabalho que tivemos.
DE NOVA E DISCRETA CONVERSA NO ELEGANTE AMBIENTE DO REGÚGIO DOS LORDES, DISCRETA APESAR DA GROSSURA (EM TODOS OS SENTIDOS DE SUA EXCELÊNCIA)
- Meus caros, o que vocês estão pleiteando é de lascar. O que eu devia fazer era meter vocês na cadeia.
Assim falou, para começo de conversa, Sua Excelência. Havia retirado o paletó; a rapariga nua sentada sobre as suas pernas brincava com os suspensórios negros que sustentavam as calças do eminente estadista, resguardando-lhe as banhas da barriga. No rosto avelhentado de Sua Excelência, placas vermelhas. Os olhos astutos, os gestos laços, a voz arrastada, a vulgaridade e a prepotência.
O Magnífico Doutor não responde, apenas sorri, espera que as meninas acabem de servir as bebidas e se retirem. Uma delas lembra Bety, toda ruiva, desperta-lhe o apetite. Quem sabe, ao fim da entrevista.
Tão pouco o Velho Parlamentar se sente confortável na presença das raparigas. Nada tem contra elas nem contra o facto de estarem nuas, o Velho Parlamentar frequenta a casa há séculos, habitue desde os tempos de Madame Georgette, quando o actual Refúgio dos Nobres ainda se chamava Nid D’Amour. Gosta de raparigas e vê-las nuas, não existe melhor colírio para a vista cansada segundo afirma. Mas tudo tem sua hora e seu lugar e se o lugar é o adequado para o nu artístico, o assunto não o é para ouvidos estranhos, não se devendo misturar alhos com bugalhos. Uma das nudistas apoia-se no elegante guarda-chuva negro de propriedade do Velho Parlamentar.
Educado em Oxford, o Velho Parlamentar adquiriu hábitos e feições de lorde inglês: alto e magro, bem escanhoado, bigode branco e altivo, traje cortado em alfaiate londrino, roseta na lapela, a aparência fleumática. Os modos populacheiros de sua Excelência certamente lhe desagradam. Sua Excelência é o oposto de um lorde inglês e não fora a posição alcançada – pobre São Paulo! – dada de mão beijada por Vargas nos tempos da outra ditadura, posição renovada e mantida à custa dos mais variados e discutíveis recursos e alianças, jamais lhe seria permitida a entrada em círculo tão distinto e reservado.
Tendo Sua Excelência falado em cadeia, o Velho Parlamentar permite-se tossir, para adverti-lo da inconveniência de tratar assuntos de monta, de altos interesses e patrióticas ilações, na presença de garotas de indiscutível graça e tentador apelo mas decididamente impróprias para a ocasião e o elevado debate socio-económico. Pigarreia com cautela, a medo: Sua Excelência, impulsivo, ao ser interrompido, por vezes reage com ofensiva brusquidão. Costuma tratar os auxiliares directos, secretários, oficiais de gabinete, de ladrões – empregando aliás termo próprio pois o são e como! – e não respeita nem idade provecta nem mandato parlamentar dos correligionários, sobretudo agora com o poder legislativo tão por baixo.
Ao ouvir o tímido pigarro, Sua Excelência faz uma careta, a pique de abrir a boca para dizer o que pensa do Velho Parlamentar e da sua mania de prudência e discrição mas se contém. De facto, o gracioso gesto da menina sentada em suas pernas, a lhe massajar sabiamente o cangote, é incompatível com a reunião de trabalho: um estadista nem sequer num rendevu pode se entregar ao relax. Tratará de fazer a conversa concreta e breve. Com uma palmada no doce traseiro, desaloja a menina e a despede recomendando:
- Esperem no quarto – Sorri para a outra, a picante ruiva que despertou o interesse do Magnífico Doutor, a seguir a cena, conformado. Nem tudo na vida são flores, não é mesmo? Muitas ruivas existem por aí. Seja tudo pelo bem da Pátria!
Saem as raparigas, garrido séquito, deixando as garrafas e os copos servidos. Uísque daquela marca não existe no Palácio dos Campos Elíseos, somente encontrado no Joquei Clube e no Refúgio dos Lordes. Sua Excelência, conhecedor:
- Isso, sim, é uísque, o resto é porcaria. Mando comprar do melhor, os ladrões compram uísque falsificado, embolsam o troco. Devia meter todos na cadeia. Vocês também. A directoria inteira.
O Audacioso Empresário, orgulhosa e árdega juventude, saído de famosa Escola de Administração e Economia onde hoje dita conferências, após brilhante curso de executivo nos estados Unidos, competentíssimo tecnocrata, um dos cérebros mais dotados da nova geração, ameaça abrir a boca para replicar mas o Magnífico Doutor o impede com um gesto quase imperceptível. Se ele protestar, vai pôr tudo a perder: assusta-se o testa-de-ferro pago também para evitar impensadas gafes dos senhores directores, técnicos formidáveis, políticos desastrados e – muito em particular – aos militares.
Ao ver Sua Excelência sorrir, baixando os suspensórios, num gesto bonacheirão, parecendo um caipira, o Audacioso Empresário reconhece a experiência e a habilidade do Magnífico Doutor; para tais missões, imbatível em esperteza e tino. Sua Excelência inicia a cobrança:
- O Senador pode dizer o trabalho que tivemos.
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