sábado, junho 06, 2009


A Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 155


A princípio, cauteloso, disse que ia tirar o assunto a limpo, não podendo devido a uma simples crónica, mesmo assinada por Giovanni Guimarães condenar projecto assim vital para a comunidade: a implantação em terras do município de fábricas de uma indústria cuja importância é inegável. No distante e abandonado coqueiral, em Mangue seco, em terras desabitadas, sem nenhuma espécie de serventia.

Distante e abandonado? Sem qualquer serventia? Cresceu a indignação do Comandante: para Ascânio os pescadores de Mangue Seco não existiam, nem eles nem os cidadãos de Agreste que possuíam casas de veraneio na praia.

Impacientou-se Ascânio. Não se referia à praia de Mangue Seco e sim ao coqueiral. O projecto da Brastânio – ele vira plantas e desenhos – localizava-se bem mais para baixo e mais para dentro e não ao lado da praia. Mesmo se alguma poluição pudesse haver – e não existe indústria sem poluição – não atingiria nem os pescadores nem os veranistas.

Pouco a pouco, curiosos foram se juntando na porta e no passeio da agência, a ouvir o empolgante debate. Dona Carmosina, animada com a presença de público, retrucou com cerrada argumentação, superando as ânsias da gripe: não se trata de uma indústria qualquer, de tolerável percentagem de poluição. Estava em jogo a produção de dióxido de titânio, Ascânio sabe por acaso o que isso significa?

Convidou-o a ler o artigo publicado em O Estado de São Paulo, a sentença do juiz Viglietta, o Comandante guardara o recorte. Uma fábrica situada no coqueiral não somente atingiria a praia, tornando impraticáveis a pesca e o banho do mar, como destruiria a povoação de Mangue Seco ao envenenar as águas e o ar, transformando, como escrevera o juiz italiano na corajosa sentença, o oceano numa lata de lixo.

Ascânio revidou já esquentado, reduzindo às devidas proporções os evidentes exageros de dona Carmosina. Para começar não existe em Mangue Seco nenhuma povoação de pescadores, apenas um aldeamento composto de meia dúzia de casas de desocupados a serviço de contrabando, puníveis por lei se a lei fosse cumprida. Os veranistas não passavam de quatro a cinco casais, a maioria preferindo ir para o arraial do Saco onde o banho de mar não oferece perigo e existe muito mais conforto, inclusive armazém e igreja. Quanto ao volume da poluição, compete aos técnicos opinar e não a um simples jornalista sem formação científica.

De tão ofendida, dona Carmosina curou-se da gripe: Giovanni Guimarães, ficasse Ascânio sabendo, não era um simples jornalista e sim um grande jornalista, homem probo e culto, com um nome a zelar. Ascânio andava pela faculdade quando ele ali estivera em inesquecível visita, por isso não o conhece. Dona Carmosina não admite que se tente diminuir-lhe a figura, pôr em dúvida a capacidade e a honradez de um amigo sincero do Agreste. Reafirmou, veemente, sua disposição, a dela e a do Comandante, de lutar por todos os meios contra o que haviam passado a denominar de a fumaça da morte, que, aliás, conforme esclarece, douta e precisa, a própria dona Carmosina, é amarela e não negra, nisso Giovanni se enganara.

Logo se arrependeu do desastrado exibicionismo pois Ascânio montou no erro do jornalista, apontado por quem? Por um adversário? Não. Por sua maior admiradora e amiga. Se até a cor da fumaça ele desconhece, imagine-se o resto. Onde melhor prova da incapacidade científica de Giovani, óptima pessoa, agindo de boa fé, acredita Ascânio, mas em matéria científica um perfeito ignorante? Não basta ser autor de crónicas brejeiras…

A história da cor da fumaça provocou risos, Ascânio marcara um ponto. Dona Carmosina ficou uma fúria. Ao apegar-se a detalhes sem importância, em meio à volumosa massa de dados concretos apresentada por Giovanni em sua crónica, Ascânio age de forma desonesta. Acusou, repetindo violenta e ofensiva:

- Você está a ser desonesto! – soletrava a palavra rude: - de-so-nes-to!

Ao ver do Comandante havia pior. Apontou algo que lhe parecia imperdoável atitude de Ascânio: sabedor há muito, dos projectos da Brastânio, devido à sua condição de secretário da Prefeitura, escondera-os da população, mentira, referindo-se a planos turísticos, fazendo-se assim cúmplice com o exercício de um cargo de confiança. Uma traição à comunidade.

Foi demais. Levantando-se, Ascânio despejou o saco cheio até à borda, lançou as citadas frases sobre a meia dúzia de privilegiados e as delícias que o comandante deseja gozar sozinho, tentando egoisticamente impedir o progresso do município, a instalação da indústria redentora estende o braço e o dedo:

- O progresso de Agreste passa por cima seja de quem for! – afirmação solene e agressiva.

Atravessa por entre os curiosos, dirige-se para a Prefeitura. Aminthas, espectador mudo e aparentemente respeitoso, define a frase e a situação:

- Uma declaração de guerra! – Volta-se para Osnar: - Começou a guerra da fumaça, mestre Osnar. Em que batalhão você se alista? No da fumaça amarela ou no da fumaça negra?

Osnar não ri, apenas abana a cabeça, aquele assunto não lhe agrada.

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