TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 164
DO CALÇAMENTO DA RUA, DA PLACA E DA MANCHETE NO JORNAL, QUANDO SACÂNEIO TRINDADE REASSUME A AMEAÇADA FUNÇÃO DE LÍDER, CAPÍTULO TODO EM FLASHBACK
Encontra-se Ascânio Trindade na entrada da cidade, entre a Praça do Mercado e a curva da estrada, acertando com o mestre-de-obras Esperidião do Amor Divino detalhes do calçamento da rua, por onde fios e postes da Hidrelétrica penetrarão em Agreste, quando a atrasadíssima marinete busina – espantoso som! – e logo surge numa nuvem de poeira, aparição ao mesmo tempo familiar e surpreendente, fulgurante. Ao perceber o secretário da Prefeitura, Jairo freia o veículo, ouvem-se guinchos e explosões, a marinete estremece, salta, dança, ameaça derrapar, desconjuntar-se, partir-se ao meio, estanca. O velho e indomável coração do motor prossegue descompassado a pulsar – Jairo não é besta de desligá-lo – quem garante que ele voltaria a pegar? Naquele dia já lhe fez poucas e boas.
Até aquele momento, quando Jairo usou os freios provando-lhes não apenas a existência mas também a qualidade das peças de fabricação antiga, as de hoje não valem nada, o dia fora extremamente desagradável para Ascânio. Desde a primeira leitura da crónica de Giovanni Guimarães sua vida tem sido um pesadelo. A partir da conversa com doutor Mirko Stefano, o Magnífico Doutor – assim o designara a secretária executiva, a mesma que depois apareceu vestida de Papai Noel, na ocasião que viera à frente de um batalhão de técnicos – até a explosão da crónica, Ascânio erguera maravilhoso, imenso castelo, prevendo sensacional futuro para Agreste e para ele próprio. As chaminés das fábricas construídas em Mangue Seco propiciam o progresso: estrada asfaltada, larga, quem sabe de duas pistas, quase auto estrada, cidade modelo, no coqueiral, para operários e empregados, moderno hotel em Agreste em edifício de vários andares, comuna próspera e rica. A Brastânio, pioneira, abre o caminho para várias outras indústrias desejosas todas de se beneficiarem das condições ímpares do município. À frente de tudo isso, comandando, administrador competente, profícuo, incansável, pleno de ideias e capaz de executá-las, um estadista, Ascânio Trindade, prefeito de Sant’Ana do Agreste, ora marido, ora noivo da bela e virginal, não, de bela e cândida herdeira paulista Leonora Cantarelli. Por vezes prolonga o tempo de noivado, período de doçuras quando o desejo vai conquistando direitos e territórios corpo afora, pouco a pouco; por vezes casa logo, na urgência de enxergá-la no lar e de imaginá-la grávida, o ar angelical amadurecendo com o crescer do ventre.
Castelo de cartas, a explosão o levou pelos ares, a ele e à segurança do moço. Viu-se de súbito em meio a um vendaval igual aos que se abatem em certas ocasiões em Mangue Seco, arrancando coqueiros pela raiz, desfazendo as cabanas dos pescadores, revolvendo o oceano, levantando incríveis redemoinhos de areia, mudando a posição e altura das dunas. Quando termina e a paz retorna, a paisagem modificou-se, lembra a anterior mas já é outra, diferente.
Ascânio recusa-se a aceitar as afirmações de Giovanni Guimarães sobre os malefícios da indústria de dióxido de titânio, apegando-se à condição de jornalista, leigo na matéria, incompetente a respeito de questões científicas. Mas, se for verdade o que ele assegura e denuncia, assessorado quem sabe por físicos e químicos? A crónica ressuma extrema segurança, como se o autor tivesse absoluta certeza de tudo quanto afirma. Tudo não, pois a própria dona Carmosina, apaixonada partidária do artigo, nele descobrira erro primário, relativo à cor da fumaça. Se errou nesse detalhe, pode ter Giovanni errado em todo o resto. Mas, se à parte a cor da fumaça, no restante ele tiver razão?
Sendo assim tão perigosa essa indústria, mortal para os peixes, acabando com a pesca e os pescadores? A verdade é que actualmente há uma verdadeira mania de se ver poluição em toda a parte, de se atribuir às chaminés das fábricas as desgraças deste mundo.
Encontra-se Ascânio Trindade na entrada da cidade, entre a Praça do Mercado e a curva da estrada, acertando com o mestre-de-obras Esperidião do Amor Divino detalhes do calçamento da rua, por onde fios e postes da Hidrelétrica penetrarão em Agreste, quando a atrasadíssima marinete busina – espantoso som! – e logo surge numa nuvem de poeira, aparição ao mesmo tempo familiar e surpreendente, fulgurante. Ao perceber o secretário da Prefeitura, Jairo freia o veículo, ouvem-se guinchos e explosões, a marinete estremece, salta, dança, ameaça derrapar, desconjuntar-se, partir-se ao meio, estanca. O velho e indomável coração do motor prossegue descompassado a pulsar – Jairo não é besta de desligá-lo – quem garante que ele voltaria a pegar? Naquele dia já lhe fez poucas e boas.
Até aquele momento, quando Jairo usou os freios provando-lhes não apenas a existência mas também a qualidade das peças de fabricação antiga, as de hoje não valem nada, o dia fora extremamente desagradável para Ascânio. Desde a primeira leitura da crónica de Giovanni Guimarães sua vida tem sido um pesadelo. A partir da conversa com doutor Mirko Stefano, o Magnífico Doutor – assim o designara a secretária executiva, a mesma que depois apareceu vestida de Papai Noel, na ocasião que viera à frente de um batalhão de técnicos – até a explosão da crónica, Ascânio erguera maravilhoso, imenso castelo, prevendo sensacional futuro para Agreste e para ele próprio. As chaminés das fábricas construídas em Mangue Seco propiciam o progresso: estrada asfaltada, larga, quem sabe de duas pistas, quase auto estrada, cidade modelo, no coqueiral, para operários e empregados, moderno hotel em Agreste em edifício de vários andares, comuna próspera e rica. A Brastânio, pioneira, abre o caminho para várias outras indústrias desejosas todas de se beneficiarem das condições ímpares do município. À frente de tudo isso, comandando, administrador competente, profícuo, incansável, pleno de ideias e capaz de executá-las, um estadista, Ascânio Trindade, prefeito de Sant’Ana do Agreste, ora marido, ora noivo da bela e virginal, não, de bela e cândida herdeira paulista Leonora Cantarelli. Por vezes prolonga o tempo de noivado, período de doçuras quando o desejo vai conquistando direitos e territórios corpo afora, pouco a pouco; por vezes casa logo, na urgência de enxergá-la no lar e de imaginá-la grávida, o ar angelical amadurecendo com o crescer do ventre.
Castelo de cartas, a explosão o levou pelos ares, a ele e à segurança do moço. Viu-se de súbito em meio a um vendaval igual aos que se abatem em certas ocasiões em Mangue Seco, arrancando coqueiros pela raiz, desfazendo as cabanas dos pescadores, revolvendo o oceano, levantando incríveis redemoinhos de areia, mudando a posição e altura das dunas. Quando termina e a paz retorna, a paisagem modificou-se, lembra a anterior mas já é outra, diferente.
Ascânio recusa-se a aceitar as afirmações de Giovanni Guimarães sobre os malefícios da indústria de dióxido de titânio, apegando-se à condição de jornalista, leigo na matéria, incompetente a respeito de questões científicas. Mas, se for verdade o que ele assegura e denuncia, assessorado quem sabe por físicos e químicos? A crónica ressuma extrema segurança, como se o autor tivesse absoluta certeza de tudo quanto afirma. Tudo não, pois a própria dona Carmosina, apaixonada partidária do artigo, nele descobrira erro primário, relativo à cor da fumaça. Se errou nesse detalhe, pode ter Giovanni errado em todo o resto. Mas, se à parte a cor da fumaça, no restante ele tiver razão?
Sendo assim tão perigosa essa indústria, mortal para os peixes, acabando com a pesca e os pescadores? A verdade é que actualmente há uma verdadeira mania de se ver poluição em toda a parte, de se atribuir às chaminés das fábricas as desgraças deste mundo.
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