sexta-feira, julho 03, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 173





O Velho ri, riso encatarrado, de fumo de corda, cavo e grosso, satisfeito e cúmplice. A areia voa sobre eles, entranha-se nos cabelos anelados de Tieta, na crespa carapinha de Zé Esteves.

- Guardei todos os meses uma parte do dinheiro que tu mandava, tirando o bastante para o aluguel e para a comida, juntando o resto na ideia de um dia comprar uma nesga de terra e um par de cabras. O que juntei dá para pagar bem mais de metade do que Josafá está pedindo pela criação de Jarde. Mas ele quer tudo à vista, não fia nem um vintém – Acrescenta, para animá-la:

- Vendo o dinheiro vivo é capaz de fazer uma redução.

- Quanto falta, Pai?

Tieta pensa na maleta, entupida de notas quando desembarcou, agora quase vazia. Fizera despesas grandes em Agreste, comprara uma casa, construíra outra, adquirira móveis, encomendara na Bahia banheiras, latrinas e espelhos, ajudara meio mundo. Um pedaço de terras, cabras e um bode inteiro para alegrar os últimos anos da vida do velho Zé Esteves, dinheiro jogado fora. Não já lhe deu segurança na velhice, não vai tirá-lo do buraco em que vive para residir em casa confortável, para Agreste luxuosa? Ainda quer mais? Um abuso. Tieta não gosta de abusos nem é de desperdícios.

Reflecte-se a aflição no rosto súplice do Velho, ali parado, à espera de resposta, no alto das dunas de Mangue Seco, nas mãos o bordão do tempo em que possuía rebanho grande e impunha sua vontade às filhas, baixando-lhes nas pernas e nas costas a taça de couro cru e aquele mesmo cajado de pastor. Ao senti-lo agoniado, Tieta recorda Filipe a lhe explicar quanto é mais profunda e pura a alegria de dar do que a de receber, quando, para satisfazer-lhe a fantasia e a vaidade, comprava-lhe caras e absurdas inutilidades. Felipe lhe ensinara o gosto singular de fazer os outros felizes. Se fosse necessário descontaria um cheque com Modesto Pires, o dono do curtume se pusera às ordens para o caso de ela vir a necessitar de dinheiro líquido.

- Pois vá e feche o negócio, Pai.

Zé Esteves ficou mudo e por um átimo a face se lhe contraiu num ríctus doloroso, tanta alegria semelhando dor aguda. Empunhando o bordão, num esforço levanta-se e desce das dunas com a filha ao lado, ela sorrindo contente ao vê-lo sem palavras. Andam juntos até à praia onde o barco de Pirica estava à espera. Antes de embarcar o Velho tenta beijar as mãos da filha mas Tieta não consente. O ruído do motor dando a partida foi abafado por outro muito maior: um helicóptero vindo do mar, sobrevoou o coqueiral, tão baixo a ponto de se poder ver três pessoas na cabine, duas delas de binóculos examinando os arredores.

Ao chegar a Agreste, Zé Esteves não parou sequer em casa, tampouco na casa nova para ver o andamento das obras, nem no bar para contar do helicóptero. Do desembarcadouro saiu directo para a estrada de Rocinha, tomando pela terceira vez no mesmo dia o caminho das terras de Jarde. Apoiava-se no cajado, a subida das dunas deixara-lhe as
pernas trôpegas e a respiração
curta.

1 Comments:

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abril 12, 2014  

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