sexta-feira, julho 10, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 179




- Um bam-bam- bam lá do sul do Estado, desbravador de matas, homem valente e direito. Teve uma questão de terras que nem à bala resolveu. Pois doutor Marcolino, novinho ainda, deslindou o caxixe, ganhou na justiça, de cabo a rabo. Imagine agora que está velho e cuidou durante a vida inteira desses enredos. É para trazer ele que preciso vender os outeiros e as cabras. Depois, negoceio o coqueiral com os alemães, compro roça de cacau.

Já entendi.

Antes de apertar a mão que Josafá lhe estende, de tocar com a ponta dos dedos de Jarde, Tieta demorou uns segundos pensativa, pergunta:

- Essas suas terras são vizinhas das de Osnar, não foi isso que o senhor disse?

- Exactamente. São pegadas uma na outra, a propriedade dele e a nossa.

- Ouça, seu Josafá. Se o senhor não encontrar comprador até amanhã pela manhã, volte aqui para falar comigo.

- Se a senhora pensa em comprar. Não procuro mais ninguém.

- Seu Josafá, vim ontem de Mangue Seco quando soube da morte de Pai, não dormi um minuto a noite inteira, cheguei do cemitério ainda há pouco. Não gosto de tomar resolução sem pensar. Não lhe prendo: se encontrar comprador, pode vender. Se não encontrar, venha me ver amanhã cedo e eu lhe digo o que decidi.

- Se tratando da senhora, dona Antonieta, vou esperar, não falo com ninguém antes de ter sua resposta. Para mim, aqui em Agreste, acima da senhora, só Sant’Ana. Em Itabuna me contaram da luz da Hidrelétrica, quase não acredito, parece milagre. Aqui soube do incêndio, benza Deus!

O aperto de mão, forte e caloroso, do caboclo franco e decidido. A ponta dos dedos de Jarde, baixando a vista. Tão rica, tão heróica, quase santa e que pedaço de mulher.

Perpétua acompanha-os até à porta. Volta, a voz ainda mais acre:

- Então era para isso que o Velho escondia o dinheiro, para comprar terras e cabras. Na idade dele, maluquice! – toma o maço de dinheiro, sopesa-o.

- Vivia passando miséria, comendo na casa dos outros, com essa dinheirama toda guardada. E tu ia pagar o resto, dar essas terras a ele, por quê?

- Porque quando ele queria uma coisa, queria por cima de tudo. Igual a mim, Perpétua. Igual a você, nós somos iguais. Tenho saudades dele.

- Por isso tu vai comprar o rebanho e a terra de Jarde? Ou tu vai te associar com ele e Josafá nos terrenos do coqueiral? É isso não é?

Tieta deixa a pergunta sem resposta, dirige-se ao quarto. Perpétua a observa de costas, andando, o passo firme, as ancas em maneio, indiferente à opinião dos demais, recorda-se do pai na força da idade. Cabrita louca, violento bode, os dois da mesma raça caprina e demoníaca, comprazendo-se em pasto de iniquidades. Iguais os três, afirmara Tieta. Perpétua abana a cabeça, discordando. Na ambição talvez, duros e obstinados como as pedras dos outeiros de Agreste. No mais, imensa distância a separá-la deles, a distingui-la. É uma senhora, recatada viúva, serva de deus. Em seu devoto peito cabem saudades apenas do Major, inesquecível poço de virtudes, tão garboso ao envergar a farda de gala ou o pijama de listas amarelas.

O pensamento ainda no Major, de repente estremece: e o relógio Ómega, de ouro, trazido de São Paulo por Tieta, presente para o Pai? De ouro, relógio e pulseira, valiosos. Vira quando Astério o retirara do pulso do Velho. Esquecera-se de falar sobre isso. É preciso vendê-lo para dividir o dinheiro. A não ser que Tieta o queira guardar, recordação do Pai. Nesse caso, deve pagar a parte da viúva e das órfãs.

Outra vez a lembrança do Major: bonitão, galhardo militar, em seu pulso forte iria bem relógio assim, de qualidade, combinando com a farda de gala ou com o pijama de listas amarelas. Metido no
pijama, um homem e tanto, nunca mais haverá outro.

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