segunda-feira, agosto 31, 2009


O MITO DO FILHO PRÒDIGO




A natureza é a nossa casa e não nos podemos comportar sucessivamente como na história do Filho Pródigo que, depois de estouvadamente ter desbaratado a herança, regressa a casa arrependido e envergonhado pedindo para ser tratado apenas como criado pois ele próprio sente que não merece mais.

Em vez disso, com surpresa sua, é recebido com grande alegria, como alguém renascido para uma vida mais sustentável.

Hoje mesmo, voltei a ler a notícia, recorrente, de que as comunidades indígenas de toda a Malásia, maior exportadora do mundo de madeira tropical, desencadeiam guerra aos madeireiros que lhes destroem as florestas.

O colapso repetido de civilizações passadas e o destino incerto da nossa é como o desbaratar da nossa herança numa vida de dissipação.

Antes de ficarmos verdadeiramente empobrecidos e envergonhados, como o filho pródigo, talvez seja a altura, depois de regressarmos a casa, vermo-nos como parte integrante da natureza que insistimos em destruir.

O filho pródigo só passou por esta mudança de atitude depois de ter sido vencido pelos antigos hábitos.

É duvidoso acreditar que temos capacidades especiais dadas por Deus que nos tornam mais felizes em todos os aspectos.

Para deixar os velhos hábitos que trouxeram a casa o filho pródigo arrependido e envergonhado, entre outras coisas, é preciso abandonar as explicações sobrenaturais como um primeiro passo na vasta estrada que temos de percorrer com vista à recuperação.

Esta convicção secular de que ocupamos um lugar à parte em relação ao resto da natureza deveria traduzir-se em capacidades que nos permitissem reger por regras diferentes das das outras espécies. É verdade que gostamos de comer e de sexo, e aí não nos diferenciamos, mas a riqueza da nossa diversidade cultural permite-nos escolher o nosso destino porque, ao contrário das outras espécies, o nosso comportamento não está geneticamente determinado.

E, no entanto, estes nossos atributos únicos evoluíram ao longo de um período de milhões de anos, 6 aproximadamente. Representam modificações dos grandes símios que têm cerca de 10 milhões, dos primatas, 55, dos mamíferos, 240, dos vertebrados, 600 milhões e, finalmente, a partir da evolução dos atributos das células nucleadas, aproximadamente há 1500 milhões de anos.

Mas será necessário recuar tanto para compreender os nossos atributos? Se julga que não, pense apenas, com um pouco de humildade, que o gene que controla o nosso apetite é partilhado pelos nemátodos que são pequenos seres semelhantes às minhocas.

Quando muito, os nossos atributos únicos, assemelham-se apenas a um anexo de uma enorme mansão com muitos quartos construídos pela evolução, a maioria dos quais partilhamos com outras espécies.

Pensar que podemos ignorar tudo com excepção desse anexo é pura estultícia.

Relativamente às antigas maneiras de pensar, temos que cultivar a humildade própria dos programas dos Alcoólicos Anónimos para nos podermos preparar para as novas maneiras de pensar.

Vamos rever os passos que temos de dar no longo caminho rumo à recuperação:

- Em primeiro lugar, abandonar a noção de que possuímos qualidades especiais que nos foram instaladas pelo Criador;

- Em segundo lugar, reconhecer que vivemos numa mansão com muitos quartos, a maioria dos quais partilhados com outras espécies;

- Finalmente, admitir que o nosso quarto especial requer a mesma compreensão pormenorizada da evolução que opera a múltiplas escalas de tempo que é necessária para compreender o nosso sistema imunitário que abordaremos num próximo texto.

Estas conclusões decorrem da teoria da evolução a um nível tão fundamental que é muito pouco provável estarem erradas.



"A Evolução Para Todos" de David Sloan Wilson

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