domingo, agosto 02, 2009


TIETA DO AGRESTE
Episódio nº 196






Estando doutor Caio ausente, a veranear, foi chamado a atendê-la seu Aloísio. Melhor substituto eventual do facultativo devido à sua condição de dono da farmácia Sant’Ana, laço comercial e único a ligá-lo à medicina. Ao vê-la largada na cama e não tendo conseguido encontrar-lhe o pulso, o boticário mandara um recado urgente ao pároco: a anciã agonizava sem sacramentos. Vavá Muriçoca, metido a fogueteiro, queimara a mão na véspera, ao soltar um rojão; o reverendo vinha em busca de Ricardo para o exercício da caridade, ajudando a velhinha a morrer em paz, com Deus. Obrigado, Senhor!, agradece o beneficiário em pensamento, enfiando a correr a batina sobre o shorte. Afinal, dona Belarmina já vivera quase um século.

Viverá alguns anos mais, com certeza, pois a visão do padre e do seminarista conduzindo os santos óleos para a extrema-unção pregou-lhe tal susto que de estalo lhe curou gripe e desmaio. Levanta-se lépida e para provar saúde, de camisola de algodão com florinhas azuis bordadas na gola, executa uns passos de dança e mostra a língua para o farmacêutico, o demónio da velha. Esclerosada sim, agonizante uma ova!

Apagavam-se as luzes quando o farmacêutico, o padre e Ricardo abandonaram a casa de dona Belarmina que os conduziu até à porta:

- Seu Aloísio, quando quiser agourar alguém, vá agourar a sua mãe!

Acompanhando o reverendo à Igreja para guardar os santos óleos e a água benta, Ricardo percebeu Maria Imaculada atrás da Mangueira e foi visto por ela. Ainda levou o padre à casa paroquial, ouvindo-o trancar a porta. Na rua da Frente, Ascânio e o poeta se distanciam. Veio então.

- Você é tão bonito de batina, bem.

Ricardo está leve e feliz. Deus lhe dera o bom pretexto sem causar mal a ninguém, apenas a caminhada nocturna de padre Mariano, obrigação do ofício de pastor.

Maria Imaculada não veste organdi azul-celeste, está de saia negra e blusa estampada mas trás nos cabelos, como ontem, jasmins-do-cabo e na boca o mesmo sorriso fresco e claro. Foram-se beijando pelo caminho; ao chegar à beira do rio, vendo-o indeciso, ela o toma pela mão e o conduz ao mais recôndito esconderijo sob os chorões na Bacia de Catarina. Deitou-se, abriu a blusa, suspendeu a saia, nada por debaixo apenas o corpo arrepiando-se ao correr da brisa.

- Vem depressa, bem, que estou com frio.

Ricardo empunha a Batina, desabotoa o shorte, Maria Imaculada ri:

- Tu vai me santificar, bem.

Juntos voltam para a Praça. Ricardo, rindo à toa, toca-lhe o rosto, beija-lhe os olhos, enfia a mão nos crespos cabelos, guarda no bolso da batina o jasmim-do-cabo. Despedem-se ao lado da mangueira.

- Amanhã venho de novo lhe esperar, bem. Na mesma hora.

- Amanhã vou para Mangue Seco.

- Vai demorar lá, bem? – a voz ansiosa.

- Sábado estou aqui, tu pode me esperar.

- Não deixe de vir senão vou morrer de tristeza.

- Venho sem falta. Até Sábado, Imaculada.

- Espere mais um pouquinho, bem. Me beije outra vez.

No melhor do beijo, surge um vulto na Praça. Ricardo se desprende, Maria Imaculada dissolve-se na escuridão. Caindo de bêbado, Bafo de Bode se aproxima, vem da beira do rio, fala aos arrotos mas o faz em voz baixa, evitando os gritos costumeiros. Não em respeito ao sono dos demais e, sim, porque também tem os seus protegidos:

- Castigue o pau padreco, e viva Deus que é nosso pai.

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