quinta-feira, agosto 06, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 199






DO RÁPIDO ASFALTAMENTO DO CAMINHO POR ONDE PENETRARÃO EM AGRESTE OS POSTES DA HIDRELÉTRICA, MELHOR DITO, DA RUA POR ONDE PENETRARÁ A LUZ DE TIETA OU DA MUDANÇA DE RITMO NA VIDA DA CIDADE.


Tudo o que até aí fora letra impressa em colunas de jornais, bate-boca nas esquinas, confusas aparições de seres de difícil identificação, mesmo para Barbozinha, íntimo do sobrenatural, concretizou-se em realidade tangível e imediata com a presença matinal nas ruas de Agreste das pesadas e potentes máquinas da Companhia Baiana de Engenharia e Projectos – CBEP - . Atravessaram com grave ruído e lentidão a Rua da Frente. Cavernoso ruído, formas excêntricas e grandiosas, o progresso em marcha.

Botando os bofes pela boca, os olhos arregalados, o moleque Sabino as precedera, vindo a toda à pressa dos campos da Taratanga onde dava abasto ao corpo aproveitando-se da viciosa docilidade da cabra Negra Flor, flor do rebanho do coronel Artur de Figueiredo. Na permissiva e gentil alimária, o rapazola resume o mulherio de Agreste a povoar-lhe as noites adolescentes: Elisa, esposa do patrão, Carol, manceba do ricalhaço, Edna, que não parece mas é casada com Terto, duas das primas de Seixas: a ligeiramente estrábica e a peituda, o resto um bagulho, a pequena Aracy em cuja bunda se roça ao passar. Virente ramalhete, enriquecido com a chegada das paulistas, exóticas e sensacionais. Sabino esforça-se por respeitar dona Antonieta mas que fazer se, ao ajoelhar para lhe pedir a bênção, aprecia o cinema inteiro na transparência dos tecidos, nos descuidados decotes dos quimonos? Sem fôlego, o moleque atinge a loja de Astério, onde Osnar conversa agricultura e veterinária com o novo vizinho de terras. As palavras irrompem da boca de sabino:

- Estão chegando uns tanques de guerra com canhão e tudo.

Aparece primeiro um jeep grande e veloz, passa em disparada em frente à loja. Surgem depois as lerdas máquinas e um caminhão transportando homens de macacão e capacetes, as mãos calçadas com grossas luvas de trabalho. Nada têm a ver com os veículos da Hidrelétrica que de quando em vez trazem à cidade engenheiros e técnicos, em repetidas comprovações de cálculos para o itinerário dos postes.

Uma poderosa máquina com lâmina dianteira, uma dessas motoniveladoras que raspam o chão e aplainam a estrada, um rolo compressor e um carro químico, espalhador de asfalto. Excitado, Osnar levanta-se da cadeira onde estava escanchado, acena para Astério, toca-se em grandes pernadas para o sobrado da Prefeitura. Uma leve esperança o conduz: quem sabe não estará no jeep a recordada Elizabeth Valadares, Bety para os colegas, Bebé para os íntimos? Na véspera de Natal, Osnar perdera por questão de segundos. Ao chegar à Praça, apenas pôde bispá-la no helicóptero, de onde, vestida de Papai Noel, acenava às massas com a mão. Acenara ele também e a ruiva miss, parecendo reconhecê-lo, lhe atirou um beijo.

Se bem toda essa história da Brastânio lhe desagrade ao extremo por vir perturbar os hábitos da cidade, tão caros a quem jamais quis sair dali, desejoso de viver tranquilo, Osnar exceptua Bety da maré de poluição. Competente e apetecível, ela lhe parece ser, sobretudo, uma vítima do sistema. Esperando seu retorno, tomara uma resolução extrema e se dispõe a cumpri-la agora mesmo, se por acaso a secretária-executiva fizer
parte do grupo embarcado no jeep: contar-lhe a
história da polaca.

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