sexta-feira, agosto 21, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 212





Fora de São Francisco de Assis, não sei de ninguém, meu filho, capaz de resistir ao poder do dinheiro. Menos ainda ao poder, puro e simples. O desejo de mando vira qualquer um do avesso. Tenho visto muitas e boas. Santos e ateus, para mandar um pouco, são capazes de vender mãe e filho., Deus e o povo. Pai, nem se fala.

- Cada uma… parecia tão direito.

- Talvez fosse. Mas voltemos ao nosso plano de acção. Parto do pressuposto de que, sendo imenso o areal, a Brastânio vai adquirir apenas uma parte, aquela onde irá instalar sua indústria. Correcto? E essa parte, meu caro, é a única a ter valor, um grande valor de revenda. A Brastânio pagará por ela o que o dono pedir. Mas o resto, por mais extenso e belo que seja, não vai valer nem dez réis de mel coado. Terras situadas nas vizinhanças de indústria de dióxido de titânio, não possuem nenhum valor, o mais mínimo. Nem para a instalação de outras indústrias nem como local de veraneio. Dadas de graça ninguém vai querer. O que interessa é o pedaço onde a fábrica vai ser construída. Só esse, mais nenhum.

- Quer dizer, doutor, que essa tal fábrica é mesmo uma desgraça como estão espalhando por aí?

- Tudo o que disserem por pior que seja é pouco. Estudei o assunto, a Brastânio andou pensando em se estabelecer na nossa região.

- Ouvi falar, até assinei um papel contra.

- Um memorial ao Presidente da República. Foi redigido por mim e sem vaidade lhe digo: um documento irrespondível. Está saindo como matéria paga nos jornais do sul e da Bahia – Uma sombra obscurece-lhe o rosto satisfeito: - Tenho pena dessa gente daqui, um lugar tão aprazível. Vão acabar com Mangue Seco, vão borrar a pintura de Deus – Faz com as mãos um gesto de impotência: - Enfim, antes aqui do que lá.

Verdade evidente, dessa vez Josafá balança a cabeça num gesto afirmativo, concordando. O advogado finaliza.

- Estamos de acordo, não é? Recapitulemos – Conta pelos dedos: - Primeiro, documentos e medição do coqueiral; segundo, requerer o mandato de posse e enquanto se espera a decisão do juiz, a conversinha com o nosso amigo da Prefeitura, o sabidório. Deixe ele por minha conta. Assim quando os outros herdeiros acordarem e aparecerem de advogado em punho, nós estaremos montados na lei, com mandato de posse, em óptimas condições para negociar, ouvir propostas, impor condições. Uma única condição, meu caro amigo, o pedacinho do coqueiral onde a Brastânio vai erguer a sua fábrica de podridão. Entendeu?

Josafá esfrega as mãos: acertara em cheio ao contratar o doutor Marcolino Pitombo. Proventos altos, viagens de avião, táxi de luxo – porcaria de carro, fachada e nada mais. Mas o advogado importado, perito no direito grapiúna, compensa qualquer despesa, mesmo o dinheiro posto fora com o táxi, lucrativa aplicação do capital obtido com a venda das encostas de mandioca, dos calvos outeiros de cabras. Para não entender a excelência do investimento não alegrar-se, é preciso ser um velho tabacudo, sem interesse pela vida, sem ideal, mais para lá do que para cá, como Jarde. O pai, metido num quarto da pensão, longe das cabras, definha a olhos vistos – parece envenenado pelos gases dos efluentes da indústria de dióxido de titânio. Josafá ouviu dizer que, ao aspirá-los, as pessoas vão amarelecendo e ficando tristes, cada vez mais tristes e mais amarelas, ao fim de pouco tempo viram defuntos magros e feios. Uma lástima, mas que
jeito?

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