quarta-feira, agosto 26, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 216




Aminthas coloca um tape no gravador, ouve o som de uma música brasileira conhecida: “pescador quando sai nunca sabe se volta”; baixa o volume, a melodia persiste como um fundo musical. Estaria por acaso comovido?

- Pensar eu penso, que essa fábrica não se instalará jamais aqui. Para que isso viesse a suceder era necessário que não houvesse outro lugar no Brasil que oferecesse melhores condições. Agreste não tem nada, eles serão obrigados a fazer tudo. Por isso acho que não virão. Mas, ao mesmo tempo, tenho de convir que talvez Agreste seja, por essas mesmas razões, o único local do Brasil onde permitam que eles se instalem. Porque, Fidélio. Essa tal indústria de titânio acaba com tudo. Quem tem razão é Osnar: fede. Fede e apodrece.

- Quer dizer…

- Que se você pensa como eu e Osnar, então não venda, em vez de ir passear ao Rio, vá à casa da Zuleika que lá também tem o que se ver. Tem uma novata, menininha, uma tal de Maria Imaculada…

- Já comi. É um tesouro.

Aminthas aumenta um pouco o volume do gravador, peixes e mar, jangadas enfrentando temporais.

- Me diga Fidélio, você pensa mesmo assim, está disposto?

- Penso. Estou.

- Então meu velho, vamos enfiar no cu desses advogados todos e estourar a merda dessa fábrica. Ouça.

Expôs o seu pensamento, ouvindo a frase de Fidélio sobre Mangue seco, a melodia e o verso sobre o mar, fonte de vida, onde os homens se elevam sobre os elementos. Fidélio escuta em silêncio, quando o amigo termina, diz apenas:

- Tu és um porreta. Só que o Comandante está em Mangue Seco…

- Eu o vi hoje, no Areópago, conversando com dona Carmosina.

- Pois vou falar com ele agora mesmo: - Sai, satisfeito, mas em seu contentamento perdura um pouco de tristeza, a sensação de quem vai abrir mão da única oportunidade de realizar projecto concebido e acalentado em estreito sigilo, jamais revelado a quem quer que fosse – dele nem dona Carmosina tem conhecimento. Projecto múltiplo e por isso mesmo caro, fora de qualquer projecto de concretização par quem recebe do estado diminutos proventos, pouco mais do que o salário mínimo.

Trata-se de uma viagem ao sul para conhecer as grandes capitais, salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, durante as férias. Viagem de turismo mas com objectivos precisos: o primeiro e o principal, a aquisição de uma bateria das mais completas e um manual para aprender a utilizá-la. Quem sabe, um dia virá a tocar tão bem quanto Xisto Bom de Som, genro do coronel Artur de Tapitanga.

Quando o percussionista, sobraçando Célia e os dois rebentos, aparece de visita ao sogro (em busca de numerário), Fidélio não desprega da fazenda. Uma vez em que o músico demorou e trouxe a bateria – um assunto de maconha dissolvera o conjunto Itapuã’s Kings levando o piston e o violão eléctrico ao xadrez – Xisto, após lhe dar algumas explicações, permitira a Fidélio experimentar o vistoso instrumental. “Você leva jeito, bicho”, dissera, animando-o.

Com a bolada oferecida por doutor Caio poderia comprar uma bateria, trazê-la para Agreste, e realizar-se, dando sentido à vida, sendo por fim alguém.

Durante a viagem poderá assistir a um show de Vinícius, outro de Caetano e Gil, seus ídolos. E, para concluir a transa, tirar a limpo certos detalhes, empolgantes, porém, inadmissíveis, da célebre história da polaca de Osnar.

Como até mesmo em Agreste se sabe, no Rio e em São Paulo sobram polacas, dando sopa nas pensões. O bolso abarrotado de dinheiro, Fidélio poderá se regalar com uma e, ao que parece, também com mais de uma, desbancando Osnar, rindo dele à socapa quando o amigo começar a contar vantagem:

- Quem não comeu uma polaca, nada sabe de mulher…

Imutável início de narrativa, prendendo a atenção geral. Se fizesse a viagem, ao voltar, iria ser
diferente: Osnar contando, Fidélio rindo para seus adentros.

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