sexta-feira, agosto 28, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 218




Pode-se traduzir murros, pedradas, metralha? A luz se extingue nos olhos baços, Ângelo Bardi volta a falar:

- De acordo, também acho. Devemos, contudo, estar preparados para qualquer emergência. Já concluímos que a zona cacaueira realmente não interessa. Quanto à região da foz do rio Real, apesar dos inconvenientes constatados nos relatórios, de falta de qualquer infra-estrutura…

O de cabelo à escovinha faz novo gesto, Bardi e Mirko obedecem, um se cala, o outro retoma a palavra, capaz e exacto. Rosalvo Lucena ouve com tamanha inteligência que parece até entender a tradução alemã. O magnata de São Paulo retoma a palavra:

- Eu dizia que a região do rio Real, apesar da falta de infra-estrutura, não pode ser ainda posta de lado. Já nos deram o sinal verde: lá podemos instalar a fábrica, não há objecções de maior.

Homem tão dotado - vindo do nada, pior, vindo do Brás, chegara ao topo – não o é Ângelo Bardi para o estudo dos idiomas. Além do italiano familiar, aprendido em casa, fala francês, quem não fala? o acento, aquela coisa. Adquiriu rudimentos de inglês, a duras penas; como tratar com os americanos sem conhecer a língua? Os gringos não falam nenhuma outra, não precisam; os demais que se esforcem em cima de gramática. Ângelo Bardi esforçara-se em cima de gramática e de uma raquítica Miss Judy, ninfomaníaca, a professora. Alemão, tenham paciência, nunca conseguira aprender. Sorri ao pensar que em breve terá de tratar com os japoneses.

- A meu ver, devemos investir um pouco mais nessa perspectiva. Por dois motivos. Primeiro, porque talvez tenhamos, em último caso, de nos instalar mesmo na foz do rio Real. Senão conseguirmos ganhar a outra batalha; segundo, por se tratar de um movimento diversionista de grande utilidade. Enquanto falam sobre Agreste, e sobre Agreste poucos falam, esquecem, deixam em paz…

Não conclui a frase, para quê? Mirko a completará na tradução. Palavra tão bonita, digna de um verso, Arembepe. Mas na pronúncia do Von na cabeceira da mesa soa inflexível.

Nas duas línguas, o Magnífico Doutor pergunta aos três directores:

- Isso significa que posso pôr em marcha a minha proposição?

Ângelo Bardi responde por ele e por Rosalvo Lucena, que sorri, mudo, aprovativo e competente.

- De nossa parte, de acordo. Mas cabe a ele a decisão final. O tal rapaz já está na cidade, não?

- Desde ontem, no mesmo hotel que nós e Ele – Sente-se a letra maiúscula quando o doutor Mirko Stefano pronuncia, respeitoso, o vocábulo ele: - Um bom hotel e de muito auxílio.

Depois de ouvir, palavra por palavra, a pergunta do Magnífico Doutor e a opinião dos dois directores brasileiros, Ele, o de cabelo à escovinha, o de olhos baços, autoriza:

- Iá!

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