domingo, setembro 13, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 231





Vieram em duas potentes lanchas, moderníssimas, traziam de um tudo, desde cinco grandes barracas de campanha até abundante lataria, fartura de comestíveis, de água mineral e refrigerantes, colares do Mercado Modelo para presentes ao gentio. Apesar do cansaço e do nervosismo, mesmo em condições atmosféricas tão desagradáveis, ao se encontrarem ante a paisagem de Mangue Seco, a visão dos altos cômoros enfrentando a fúria do oceano, a imensidão da praia estendendo-se de lado a lado da península, o coqueiral prolongando-se nas margens do rio, a perder de vista, sentiram-se pequenos e consideraram que pagara a pena vir. O céu coberto ameaçava chuva.

Parados os motores, as lanchas permanecem a certa distância da praia. Um dos passageiros salta na água que lhe bate na cintura, anda, chega ao chão de areia, dirige-se às choupanas de roncos e palmas de coqueiro, meio soterradas, propõe a Isaías ocupado a remendar uma vela rota no temporal da outra noite:

- Ho! Você aí! Você e os outros – Os outros estão muito ocupados em não fazer nada, conversam sentados numa roda larga, picam fumo, cachibam: - Venham todos ajudar a desembarcar umas coisas. Depressa.

Isaías olha, não responde. O velho Jonas levanta-se, pergunta:

- O moço é da fábrica?

Quase arrastado pelo vento mas vaidoso da sua condição, o galhardo concorda e reclama:

- Somos da Brastânio, sim. O que fazem aí parados? Vamos, dêem-se pressa.

Jonas examina as duas lanchas ancoradas próximas à praia, joguetes na maré bravia, calcula o número de passageiros, as mulheres quantas serão? Mulher é um perigo. O velho pescador coça a barba rala. Recorda outras ocasiões, quando a polícia ainda se atrevia. Em geral, em começo de governo, os políticos roncando honradez, agitando a lei: vamos acabar de vez com o contrabando! Faz tempo que desistiram. Também onde encontrar soldados ou secretas dispostos a vir a Mangue Seco?

Método usado apenas em último recurso, há muito não o utilizam, por desnecessário. Os mais jovens sabem somente de ouvir dizer, vão se divertir. Quem gostava era o Mascate, participara em mais de uma expedição.

Isaías, prepare os barcos. Daniel, reúna o povo. Budião vá correndo avisar dona Tieta, diga que eles já chegaram. Fale também com Cardo e com o engenheiro. Não demore que o homem está com pressa – Volta-se para o emissário dos viajantes: - Vá indo que a gente já vai.

Enquanto observa o homem da Brastânio marchando curvado contra o vento, felicita-se pela ausência do Comandante, ocupado em Agreste. Um amigão o Comandante Dário. Fecha os olhos para as nocturnas e clandestinas incursões, simula ignorar a presença de escunas, cargueiros e lanchas, o transporte da muamba. Apesar, no entanto, de intransigente má vontade demonstrada para com a tal fábrica de veneno e a amizade que dedica ao povo de Mangue Seco, ainda assim talvez se opusesse à operação projectada, criando um problema dos demónios.

Não a praticam desde o acontecido com o sargento; nunca mais a polícia voltara, ainda bem. Agora tornou-se novamente indispensável, mas quando a decidiram Jonas recomendou a todos o maior cuidado. Tieta, o estudante de padre e o engenheiro ficarão na praia, não é coisa para eles.

Nem sequer para Tieta, tão disposta. Quando Jonas era o mais jovem dos três chefes, havia muitos e muitos anos, molecota atrevida, pastora de cabras nos outeiros de Agreste, Tieta costumava aparecer na praia, subindo os cômoros, sempre acompanhada, namoradeira como ela só; também uma boniteza daquelas, tinha que ser. Em São Paulo dobrou a boniteza, se enfeitou, virou um pancadão, um pedaço de mulher. Antigamente, mocinha, andava sempre em companhia de homem feito., mais velho do que ela, agora está preparando o sobrinho para fazer dele um bom padre mestre, cumprindo assim com a sua obrigação de tia.

Uma vez, tendo vindo divertir-se na praia, coincidiu Tieta desembarcar no meio de uma briga feia: dois soldados, uns secretas e o delegado de Esplanada querendo apreender a mercadoria e encanar o velho receptador vindo de Estância.

O acompanhante de Tieta, um almofadinha, ao saltar e deparar com o fuzuê, perdeu a animação e a cor, ficou de cera, enfiou o fogo no rabo e capou o gato, correu para o bote, se tocou a toda, sozinho, largando a namorada, coisa mais triste! Tieta nem ligou, olhou e riu, ergueu o cajado de pastora e se juntou aos pescadores, ajudando-os a botar a polícia para correr. Baixou o bordão no delegado, sem respeitar nem o revólver nem o apito com que ele transmitia as ordens, uma novidade. Tieta não nascera em Mangue Seco mas merecia ter nascido. Quem sabe Jonas será obrigado a levá-la para que ela cuide das mulheres.

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