segunda-feira, setembro 14, 2009

TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 232



Exceptuando o fulano que fora convocar carregadores, os demais funcionários da Brastânio não chegaram a desembarcar. Formavam um grupo relativamente numeroso, umas vinte pessoas, entre as quais quatro mulheres: uma cartógrafa, duas secretárias e a esposa do chefe da equipe, robusta e romântica senhora ciumentíssima, que se incorporara à caravana para não deixar o marido à mercê das secretárias, umas sirigaitas, e no desejo de tomar banho do mar em Mangue Seco. Desejo generalizado. Especialistas bem remunerados, técnicos competentes, vinham todos na doce esperança de unir o útil ao agradável: nas folgas do trabalho, o lazer da praia cuja fama corre na Companhia levada pelos que ali estiveram antes para os estudos preliminares. Passado o susto da travessia da barra, encontram-se animados e alegres.

- Quando fizer sol, vai ser um esplendor! – exclama feliz, Kátia, a esposa.

Jamais se viu no mundo pessoas tão assombradas. A princípio não se dão conta exacta do significado do que está acontecendo. A primeira visão foi surrealista: de longe, por entre coqueiros, surge correndo uma mulher vestida de calça e capa de borracha negra, dessas de marinheiro, na mão um cajado longo. Não ouvem o que ela grita, devido ao vento, mas sentem no bastão erguido um gesto de ameaça. Seguem-na um padre e um tipo de barbas. Em seguida os pescadores: velhos, moços e meninos. Logo depois a surpresa transformou-se em medo, susto sem tamanho.

Na praia, dando um balanço nas lanchas, contando as quatro mulheres, Jonas decide trazer Tieta:

- Venha com a gente, dona Tieta. Não tenha medo.

- Está-me desconhecendo, Jonas?

- Me desculpe, não falei por mal.

Ricardo vai seguir a tia, o engenheiro também. Jonas impede:

- Vocês são dois, não – Explica ao engenheiro: - Seu Modesto, se vier a saber, vai ficar fulo, doutor Pedro. É melhor que o senhor espere aqui, a gente cuida de tudo – Diz a Ricardo: - O que nós vamos fazer não é do agrado de Deus, meu padrezinho – Não propõe, ordena; nem parece o mesmo Jonas bonacheirão, caçoando com o seminarista na travessia para o arraial.

Pedro concorda, afasta-se. Por amor a Marta e aos filhos, quer viver em paz com o sogro. Mas Ricardo, replica, a voz tão firme quanto a de Jonas:

- Quem lhe disse que não é do agrado de Deus? Deus lança o raio quando é preciso. Quem mais vai sou eu.

Jonas coça a barba:

- Pois venha mas depois não se queixe. Quem sabe, assim tu vai acabar sendo um bom padre-mestre.

Embarcam nos saveiros, alguns levam rolos de corda. Aproximam-se das lanchas, saltam na agua, sujeitam passageiros e tripulação – dois marinheiros em cada lancha – numa rapidez inacreditável para quem os viu somente na praia, na indolência, e ignora as travessias nocturnas, aproveitam-se da surpresa, não chega a haver luta tal o susto e o medo. Jonas assume o comando de uma das lanchas, Isaías o da outra.


- Todas as mulheres, nessa lancha aqui: - ordena Jonas: - dona Tieta, fique de olho nelas. Ricardo venha comigo.

As cordas servem para amarrar os pulsos dos homens, ligá-los uns aos outros, em duas fileiras, uma em cada lancha. Siderados, os funcionários da Brastânio protestam, reclamam, exigem explicações. Perguntas inúteis, inúteis os argumentos, as razões, as ameaças. Ninguém parece ouvir. Apenas um jovem técnico em electrónica, de olho numa das secretárias, tenta passar das palavras aos actos, demonstrar bravura para impressionar a moça: investe contra Isaías. É contido por Budião e pelo ponta esquerda Samu (ruim de drible mas dono de um chuto indefensável, um canhoto) e amarrado aos outros. São levados para os passadiços onde ficam sob a guarda do pessoal mais jovem. Precisam de sentir e ver bem de perto. Jonas dá o sinal de partida, as lanchas se movimentam lentamente, os saveiros acompanham.

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