sexta-feira, setembro 25, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 242




DE COMO OS DIRETORES DA BRASTÂNIO RECORDAM UM PROVÉRBIO


Nos escritórios da Brastânio, na sala do doutor Rosalvo Lucena, o chefe da equipa enviada a Mangue Seco apresenta relatório e ameaça demitir-se.

Conhecido como Aprígio, o Imperturbável, pela calma com que sempre enfrentara os mais árduos problemas profissionais e os ciúmes violentos da esposa, louvado pela lhaneza do trato, já não é o mesmo homem, perdeu a famosa contenção, tremem-lhe as mãos e a voz a descrever os factos:

- No comando da horda de assassinos vinha uma louca furiosa, brandindo um bastão. Foi ela quem tomou conta das mulheres, na lancha. Juro, doutor Lucena, que pensei que iam nos matar, me preparei para morrer. Entreguei a alma a Deus.

- E como era essa megera?

- Até que não era feia mas corria, gritando. Fora! Fora com os envenenadores! Ela, o padre e o barbudo. O padre é um rapazola, penso que ainda não diz missa. O barbudo me lembrou um engenheiro que eu conheço, mas como ficou na praia, não pude tirar a limpo, com certeza não era quem eu pensei. O resto, uns esfarrapados, um bando de criminosos.

- Quantos? Muitos?

- Quantos? Não sei. Uns trinta ou mais, contando com os meninos. Parecia gente da idade da pedra. Tivemos de ficar de pé, no passadiço; foi horrível. Só de me lembrar, fico outra vez doente.

Uma das secretárias, à beira da piscina, gozando oito dias de licença – prémio, refazendo-se do susto, confidencia ao Magnífico doutor:

- Tinha um que até… O que segurou Mário José e lhe deu um tranco – referia-se a Budião – era um doce. Não adiantou nada rir para ele, queria era acabar com a gente. Nos matar. – Lembrando, estremece: - A mulher apontava os tubarões com o cajado. Fechei os olhos para não ver.

Apesar do traumatismo – jamais voltaria a ser o mesmo – o chefe da equipa reconhece:

- Não queriam nos matar, no fim eu me dei conta. Só nos assustar. Mas deixaram claro que, de outra vez, não vão ficar na ameaça. Em minha opinião, doutor Lucena, não se pode construir seja o que for nesse lugar. A não ser que antes se mande a polícia… A polícia, não… Força do exército para terminar com esses bandidos, com todos eles, sem deixar nenhum. Ameaçaram nos atirar aos tubarões. Kátia desmaiou, ainda guarda o leito, diz que nunca mais irá ao banho de mar.

A outra secretária, pobrezinha, linda e vibrátil, um feixe de nervos, na cama um torvelinho, passou três noites acordada: se adormecia, voltava a ver os tubarões saltando em torno à lancha. De tão impressionada, aderiu à religião dos Hare Krishna.

O chefe da equipa conclui:

- Se for para voltar a Mangue Seco, doutor Lucena, prefiro apresentar minha demissão agora mesmo.

Doutor Rosalvo e doutor Mirko Stefano escutaram de ânimo forte a espantosa narrativa, as lamentações e os relatórios, não por acaso ocupam cargos de direcção numa Companhia da grandeza da Brastânio. Tais reacções de desagrado não chegam a surpreendê-los, são as primeiras mas não serão as últimas, certamente. Pedem aos participantes da espaventosa peripécia que falem do caso o menos possível, recomendam silêncio, impõem segredo. Ainda assim a notícia transpirou, repercutiu na imprensa.

Em A Tarde, apresentada sob um ângulo simpático: colérica e vigorosa reacção popular contra a ameaça de poluição da praia de Mangue Seco que, pela beleza da paisagem e amenidade do clima, é património a ser defendido e preservado a todo o custo. Nota redigida pelo próprio Giovani Guimarães. Não lhe bastando o comentário, enviou um telegrama de felicitações ao poeta De Matos Barbosa. Num outro jornal. Num outro jornal, os factos eram apresentados como prova da extensão e perigosidade da rede subversiva instalada no país, sob comando estrangeiro, agindo em recantos os mais distantes, para impedir o progresso da pátria.

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