quarta-feira, outubro 21, 2009

TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 264




DA EGRÉGIA FIGURA


Logo após a passagem pelas ruas de Agreste da volumosa e suarenta imponência do doutor Hélio Colombo, os acontecimentos se precipitaram, adquirindo vertiginoso ritmo, envolvendo o pacato burgo em confusão e reboliço.

Foi das mais breves, todavia, a estada da egrégia figura. Demorou-se apenas algumas horas, contados cidadãos travaram conhecimento com o grande jurisconsulto e souberam quais os motivos a conduzi-lo àquelas desprovidas lonjuras. Nem por isso se pode diminuir a significação e negar as consequências da histórica viagem, pois no encontro do doutor Colombo com Ascânio Trindade na sala de despachos da Prefeitura reside a explicação de todo o atropelo posterior, da pressa, da violência, do desespero. Dias de tumulto e espanto. Em menos de duas semanas, o povo assistiu a eventos, tantos e tamanhos, que até pareceu ter chegado o fim do mundo, cumprindo-se, afinal, a profecia do beato Possidónio.

O ruído inusitado de um automóvel estancando em frente ao cartório trouxe o doutor Franklin à porta, a tempo de observar e reconhecer o glorioso mestre na rude tarefa de extrair do assento do carro o vasto corpanzil, com a ajuda do chofer. O tabelião arregalou os olhos: bendito coqueiral, valha-nos Deus! Dessa vez quem se aventura nas precárias estradas do sertão não é nenhum reles advogado de Esplanada ou Feira, nenhum velho caixeiro das terras do cacau. Diante do tabelião ergue-se, entre resmungos, a vasta humanidade do doutor Hélio Colombo, cento e tantos quilos de astúcia e saber. Doutor Franklin adianta-se, estende a mão, efusivo e bisbilhoteiro:

- Bem - vindo a Sant’Ana do Agreste, augusto mestre! Doutor Franklin Lins, tabelião, criado às ordens. A que devemos a honra de tão ilustre visita?

O catedrático emérito da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Baía, chefe do maior escritório de advocacia do Estado, corresponde ao aperto de mão mas, decepcionando a curiosidade do amável concidadão, não formula declaração sensacional, digna de sua fama, nem esboça gesto capaz de caracterizar o rumo dos acontecimentos que irão abalar a cidade e o município. Bufa e geme:

- Obrigado, caro colega. Sinto que depois desta viagem jamais voltarei a ser o mesmo. Tenho a alma envolta em poeira. Para sempre.

Sacode o paletó, metros e metros da melhor casimira inglesa, limpa o rosto inundado de suor, olha em volta com tristeza: os canalhas da Brastânio pagarão caro. Não se trata de ameaça vâ. Tarefas desse tipo que não estão incluídas no acordo de consultadoria jurídica. Maldito Mirko, a exigir que ele viesse em pessoa examinar o problema e encontrar-lhe solução, prometendo atraente secretária para amenizar a viagem, elogiando a beleza do lugar. A atraente não apareceu na hora da partida, o lugar é uma tapera e a estrada, porra! Ah! esse último trecho do caminho… Cobrará cada metro, cada buraco, cada solavanco, a ausência da secretária, o suor, a poeira, a sede, o acerbo desconforto.

Depois do aperto de mão doutor Franklin arrisca:

- Se mal pergunto a presença do mestre deve-se à amenidade do clima ou veio a Agreste trazido por interesses profissionais? Mas entre, por favor.

- Antes me esclareça, caro colega: cerveja gelada, existe por aqui? – parecia duvidar – Se por milagre existe, indique-me onde. Estou morrendo de sede.

- No bar.

- Mostre-me o caminho.

- Entre e sente-se, mestre. Eu mando buscar a cerveja. Volta-se para gritar por Bonaparte, descobre o filho atrás da porta, de ouvido atento.

- Corra ao bar, traga umas garrafas de cerveja, bem geladas. Num abrir e fechar de olhos. Voando.

Lento por natureza, o rotundo Bonaparte, na aurora dos novos tempos, revela-se à altura da situação. Seguido pelo chofer, parte em passo acelerado, retorna botando os bofes pela boca. Assim age não apenas em obediência ao pai mas sobretudo para não perder detalhe da visita do ínclito advogado, merecedor de tantos rapapés. Que outro interesse profissional poderia trazer a Agreste o famigerado causídico, a não ser o coqueiral de tantos herdeiros, quem poderia ser constituinte de mestre Colombo senão a Brastânio? Bonaparte é amigo leal, devotado cúmplice: doutor Marcolino colabora com louvável generosidade para os parcos vícios do jovem escrivão – cigarros, batidas, raparigas. Bonaparte busca corresponder a tais provas de consideração

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