TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 249
DOS ESPONSAIS DE PETO
Nunca o tinham visto assim tão limpo, sério e elegante mas, por estranho que pareça, ninguém tirou pilhéria nem o levou na gozação, a não ser seu Manuel:
- Espera lá, Peto! Vais fazer primeira comunhão? Já passaste da idade. Ou vais casar?
Osnar interrompe o português:
- Não sabes, Almirante, que hoje é o aniversário do sargento? Oferece-lhe uma coca-cola pelo menos.
- Aniversário? Pois toque lá, meus parabéns. E ordene a bebida que quiser.
Realmente estava irreconhecível o desmazelado Peto. O cabelo por uma vez assentado à força de brilhantina; gastara uma latinha inteira, o singular odor supera o cheiro dos cigarros e charutos. Relógio no pulso, pálida lembrança da tia que te estima Antonieta, camisa nova, estampados na fazenda, em vermelho e azul, lêem-se os nomes das capitais e das cidades mais importantes do mundo, com os votos e os beijos da prima Leonora – presentes trazidos pelo irmão, entregues na hora do almoço comemorativo – sapatos lustrados e calças compridas, as primeiras; finalmente a mãe se convencera. Mesmo ao torcer por tio Astério na partida amistosa contra Seixas, Peto o faz com certa contenção de quem já não é criança irreflectida.
Quando o sino da Matriz toca as nove badaladas fatais e as luzes se apagam, enquanto seu Manuel trata de acender os lampiões, Osnar faz um sinal e Peto sai discretamente, vai esperar na Praça. Se alguém reparou fez que não viu, a conversa prossegue animada; caso tio Astério o procure, Aminthas dirá que ele já foi para casa.
Alcançando-o na Praça, Osnar busca encorajá-lo:
- Não tenha medo, Sargento.
- Quem falou em medo? Estou na minha.
No escuro, Osnar sorri. Todos repetem o mesmo, ele também garantira estar tranquilo quando acompanhara o primo Epaminondas, que Deus haja. Dentro do peito o coração a descompasso.
Antes de penetrar no sendeiro, avistam o pessoal saindo do Cine Tupy, único lugar iluminado da cidade além das nove e por pouco mais: possui motor próprio.
- Hoje o padre foi ao cinema – diz Osnar, enxergando uma batina.
- É o padre não. É Ricardo. Foi com mamãe. O filme trata de negócio de religião. Deve ser ruim para burro.
Para não despregar de Osnar, Peto faltara a uma sessão de cinema pela primeira vez em três anos. A confiar nos elogios feitos durante o almoço pelo padre Mariano, um careta, a película deve ser de amargar; filme, ao ver de Peto, se não tem tiro e sacanagem, não presta. De qualquer maneira vai assisti-lo amanhã, na matiné.
Marcham na direcção oposta à entrada na cidade, encaminhando-se para as bandas da Jaqueira, onde, entre árvores, discreta, localiza-se a pensão de Zuleika Cinderela.
Na rotina da pensão, sábado é um dia especial, o de maior movimento. Pela tarde até ao começo da noite, frequentam-na os feirantes. Entram na sala, sentam-se para esperar ou escolher mulher, pedem uma cerveja ou um conhaque, contam e recontam o dinheiro, por vezes níqueis agarrados na ponta de um lenço. Alguns são fregueses certos desta ou daquela, outros preferem variar. A clientela rural dura até às sete, nuca vai além das sete e meia. A partir das nove, nove e meia, após o cinema, começam a chegar os moços da cidade.
Sábado é dia festivo, noite de dormir tarde, de vitrola e dança, de farto consumo de bebida. Entre as sete e meia e nove e meia há um tempo quase morto; as raparigas jantam, descansam, algumas vão ao cinema.
A sala está praticamente vazia quando Osnar e Peto aparecem na porta. Numa das mesas, duas mulheres conversam; noutra, Leléu cochila com uma falsa loira por quem anda de rabicho. Uma jovenzinha vai saindo, cruza com eles na entrada:
- Boa noite, seu Osnar. Tu é Peto, não é? Já ouvi falar.
- Onde vai, Maria Imaculada? – A pergunta inclui surpresa e reprovação.
- Vou ali, já volto, seu Osnar. Conte comigo.
EPISÓDIO Nº 249
DOS ESPONSAIS DE PETO
Nunca o tinham visto assim tão limpo, sério e elegante mas, por estranho que pareça, ninguém tirou pilhéria nem o levou na gozação, a não ser seu Manuel:
- Espera lá, Peto! Vais fazer primeira comunhão? Já passaste da idade. Ou vais casar?
Osnar interrompe o português:
- Não sabes, Almirante, que hoje é o aniversário do sargento? Oferece-lhe uma coca-cola pelo menos.
- Aniversário? Pois toque lá, meus parabéns. E ordene a bebida que quiser.
Realmente estava irreconhecível o desmazelado Peto. O cabelo por uma vez assentado à força de brilhantina; gastara uma latinha inteira, o singular odor supera o cheiro dos cigarros e charutos. Relógio no pulso, pálida lembrança da tia que te estima Antonieta, camisa nova, estampados na fazenda, em vermelho e azul, lêem-se os nomes das capitais e das cidades mais importantes do mundo, com os votos e os beijos da prima Leonora – presentes trazidos pelo irmão, entregues na hora do almoço comemorativo – sapatos lustrados e calças compridas, as primeiras; finalmente a mãe se convencera. Mesmo ao torcer por tio Astério na partida amistosa contra Seixas, Peto o faz com certa contenção de quem já não é criança irreflectida.
Quando o sino da Matriz toca as nove badaladas fatais e as luzes se apagam, enquanto seu Manuel trata de acender os lampiões, Osnar faz um sinal e Peto sai discretamente, vai esperar na Praça. Se alguém reparou fez que não viu, a conversa prossegue animada; caso tio Astério o procure, Aminthas dirá que ele já foi para casa.
Alcançando-o na Praça, Osnar busca encorajá-lo:
- Não tenha medo, Sargento.
- Quem falou em medo? Estou na minha.
No escuro, Osnar sorri. Todos repetem o mesmo, ele também garantira estar tranquilo quando acompanhara o primo Epaminondas, que Deus haja. Dentro do peito o coração a descompasso.
Antes de penetrar no sendeiro, avistam o pessoal saindo do Cine Tupy, único lugar iluminado da cidade além das nove e por pouco mais: possui motor próprio.
- Hoje o padre foi ao cinema – diz Osnar, enxergando uma batina.
- É o padre não. É Ricardo. Foi com mamãe. O filme trata de negócio de religião. Deve ser ruim para burro.
Para não despregar de Osnar, Peto faltara a uma sessão de cinema pela primeira vez em três anos. A confiar nos elogios feitos durante o almoço pelo padre Mariano, um careta, a película deve ser de amargar; filme, ao ver de Peto, se não tem tiro e sacanagem, não presta. De qualquer maneira vai assisti-lo amanhã, na matiné.
Marcham na direcção oposta à entrada na cidade, encaminhando-se para as bandas da Jaqueira, onde, entre árvores, discreta, localiza-se a pensão de Zuleika Cinderela.
Na rotina da pensão, sábado é um dia especial, o de maior movimento. Pela tarde até ao começo da noite, frequentam-na os feirantes. Entram na sala, sentam-se para esperar ou escolher mulher, pedem uma cerveja ou um conhaque, contam e recontam o dinheiro, por vezes níqueis agarrados na ponta de um lenço. Alguns são fregueses certos desta ou daquela, outros preferem variar. A clientela rural dura até às sete, nuca vai além das sete e meia. A partir das nove, nove e meia, após o cinema, começam a chegar os moços da cidade.
Sábado é dia festivo, noite de dormir tarde, de vitrola e dança, de farto consumo de bebida. Entre as sete e meia e nove e meia há um tempo quase morto; as raparigas jantam, descansam, algumas vão ao cinema.
A sala está praticamente vazia quando Osnar e Peto aparecem na porta. Numa das mesas, duas mulheres conversam; noutra, Leléu cochila com uma falsa loira por quem anda de rabicho. Uma jovenzinha vai saindo, cruza com eles na entrada:
- Boa noite, seu Osnar. Tu é Peto, não é? Já ouvi falar.
- Onde vai, Maria Imaculada? – A pergunta inclui surpresa e reprovação.
- Vou ali, já volto, seu Osnar. Conte comigo.
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