quarta-feira, outubro 07, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 253




Ricardo falara a frei Timóteo do engenheiro Pedro, materialista e ateu, a dissertar sobre as injustiças sociais, os crimes da burguesia e do capitalismo, a necessidade de transformar a sociedade.

- Também ele serve a Deus, pois deseja a justiça e felicidade dos homens.

- Sorrira o velho – Mesmo os que dizem não crer em Deus, podem servi-lo, desde que amem os homens e trabalhem por eles. Por que não trás o seu amigo aqui? Gostarei de conhecê-lo.

No arraial do Saco, Ricardo vive horas exaltadas acompanhando as conversas do engenheiro com o frade. Pedro, impetuoso, sincero e entusiasta, nega a existência de Deus e da alma, em inflamado discurso. O franciscano viera do tumulto e da ânsia do mundo para a meditação na cela do convento, disserta com voz mansa e usa imagens poéticas. Todavia, Ricardo descobre parecença e parentesco entre os dois, pontos de convergência, um objectivo comum: a preocupação com o ser humano. Busca passagem por entre contradições e coincidências, dispõe-se a sujeitar sua vocação às necessárias provas, a não se negar às discussões e aos actos. No momento certo, decidirá. Não antes, porém, de elucidar todas as dúvidas.

Na lancha, na noite dos tubarões e do medo, ao lado de Jonas, sentira quanto custa comandar, sobretudo se o preço do dever é a crueldade e a violência. Jonas é um homem bom e jovial, no entanto, naquela hora extrema, a face do pescador fizera-se sombria e implacável. Por onde passam os caminhos que conduzem à alegria e à justiça? Vendo os homens e mulheres em pânico, os tubarões à flor da água, vendo a tia, Jonas, Daniel, Isaías, Budião, pessoas de bondade comprovada, empunharem a morte para defenderem a vida, Ricardo sacudiu os últimos freios, tomou a rédea nos dentes, decidido a galopar por conta própria, livre de peias.

Acumula no peito, em pressa e confusão, palavras, ideias, acontecimentos. Tudo começou com a chegada da tia, há um mês e meio, se muito. No ponto da marinete, Ricardo aguardara o desembarque de uma anciã, mais que tia, avó, viúva em pranto e luto. Rezara por sua saúde, os joelhos sobre os grãos de milho, pagando promessa. Da marinete descera uma deusa. Ao mesmo tempo, imagem de santa e cabra de urbe farto, no dizer de Osnar, o boca suja. Santa e cabra, como pode ser? Assim é:

Muita coisa sucedera desde então. Da primeira noite nos cômoros com Tieta, subindo aos céus, baixando aos infernos, até aquela tarde de tempestade em meio às vagas e aos tubarões, ameaçando os apavorados funcionários da Brastânio, quando cumpriu duro dever de cidadão, obrigação tremenda. No Te Deum, abrindo as portas do Ano – Novo, sob o peso dos olhares das mulheres, enxergara Maria Imaculada. Um vínculo se rompera, formara-se outro anel, início de uma cadeia. Muita coisa em pouco tempo, a exaltação da vida, o horror da morte.

Outras experiências são mais fáceis, ai, são deleitosas! A senda da prova passa entre mulheres. A tia acendeu uma fogueira em seu peito, o incêndio se alastra, como apagá-lo? Não basta Tieta, não basta Maria Imaculada, pois a brasa queima e se inflama apenas Ricardo percebe um olhar molhado de desejo, a insinuação de um sorriso. Não sabe negar-se, não pensa negar-se. Por que fugir depois do que lhe foi dado ver e fazer?

Viera de Mangue Seco pela manhã devido ao aniversário de Peto mas na intenção da noite livre, inteira para Maria Imaculada. Perpétua reduzira as comemorações a um almoço para o qual convidara apenas padre Mariano, além de Elisa, Astério e mãe Tonha. Ao padre, queixara-se da ausência de Tieta e Leonora mas o fizera da boca para fora. Estivessem elas em Agreste, Perpétua seria obrigada a reunir em casa um mundo de gente, a começar pela antipática da Carmosina; um despesão. Assim, tudo correra pelo melhor. Tieta e Leonora não compareceram mas enviaram os presentes por intermédio de Ricardo. A tia rica dera novamente prova de generosidade e afecto para com os sobrinhos: o relógio ofertado a Peto mereceu encómios e considerações do pároco:

- Um presente régio, dona Perpétua. Dona Antonieta é mão – aberta e adora os sobrinhos. Seus filhos estão com o futuro garantido. Não duvido que venham a ser – e baixou a voz pois Elisa e
Astério estavam chegando
herdeiros priveligiados.

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