sábado, outubro 17, 2009

TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 262


Ai, Comandante, de nada vai adiantar notícias nos jornais, memoriais, sonetos de maldição, protestos de pobres – diabos de Agreste. Nem mesmo os tubarões no mar revolto, Carmô, nem eles impedirão o fim dos caranguejos e dos pescadores, o fim de Mangue Seco. Resta-lhes somente aproveitar os últimos dias, bem poucos. Chega a abrir a boca para dizer tudo isto mas se contém. Para que entristecer os amigos, ainda por cima em dia de festa? Promete ir para Agreste o mais depressa possível.

Osnar, Aminthas, Seixas, Fidélio desembarcam da lancha de Elieser mortos de cansaço, à hora de almoço. Depois buscam a sombra dos coqueiros para a sesta. Mais cansado ainda o vate Barbozinha. Já não tem saúde para atravessar noites em claro, a beber e a dançar. Trouxera os originais dos Poemas da Maldição mas nem os retira do bolso; não encontra ambiente recitativo.

- Por que Ricardo não veio? – pergunta Tieta a Astério que se aproxima acompanhado de Elisa. Dos convidados é o único em forma, bem dormido, bem-humorado, satisfeito da vida.

Estava na Igreja com o padre e as zeladoras. Ocupado não sei em quê. Passei lá para saber se Perpétua vinha, ela disse que não, mas mandou lhe dizer que um dia desses vai aparecer com padre Mariano para benzer a casa. Por falar em casa, queria lhe comunicar que amanhã eu e Elisa nos mudamos.

Decidira não esperar a conclusão das obras mandadas executar na antiga residência de dona Zulmira. A pintura e os arremates seriam feitos com eles dentro de casa, apressando mestre Liberato. Mais uma vez agradece à cunhada e bem feitora e pergunta:

- Quer ocupar seus aposentos ou vai continuar hospedada com Perpétua?

- Fico por lá mesmo. Tenho alergia a pintura fresca. Ando de estômago embrulhado por causa do cheiro da porta e da janela do Curral, imagine um casarão daqueles. Também pelos poucos dias que vou passar em Agreste, não paga a pena mudar. De outra vez que venha me hospedo com vocês – Se deixasse a casa de Perpétua, como fazer para dormir com Ricardo as últimas noites, as derradeiras?

De cabeça baixa, calada, esgravatando a areia com um talo de coqueiro, Elisa acompanha o diálogo. O silêncio da irmã irrita Tieta:

- Tu não tem nada a dizer, Elisa? Não está contente?

Elisa estremece:

- Estou contente, sim, mana. Não havia de estar?

- Então porque faz essa cara de enterro?

- Elisa, coitadinha, anda assim desde a morte do Velho. Ainda não se refez… - explica Astério.

Tieta desvia os olhos da irmã para o cunhado; pela segunda vez naquele domingo vai abrindo a boca mas arrependida a fecha sem nada dizer: simpatiza com o pobre coitado e a verdade quase sempre é cruel, apenas fere e magoa. Domingo azarado. A festa mais parece sentinela de defunto.

Na hora do regresso, quando os convidados se dirigem para o embarque, observando Tieta parada na praia, o rosto sério, Leonora larga o braço de Ascânio, vem correndo:

- Eu fico com você Mãezinha, não vou lhe deixar aqui sozinha.

A resposta é brusca:

- Por que não? Que bicho vai me morder? – logo abranda a voz, toca os loiros cabelos da moça, húmidos de salitre – Não seja tola cabrita. Vá e aproveite, aproveite bem. Não se preocupe comigo. Daqui a pouco Ricardo chega, assim acabe de ajudar o padre. De companhia, basta ele.

Também o Comandante e dona Laura se despedem.

- Lhe espero em Agreste, Tieta, vá logo.

As embarcações cortam as vagas da barra, distanciam-se no rio. Carregando caçuás borbulhantes de caranguejos, as mulheres da
povoação marcham na fímbria do mar. A noite se
avizinha, imensa.

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