quarta-feira, novembro 04, 2009


TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 277




- Você permite, Elisa, que eu torça pelo seu rico maridinho? Não tenha medo, não vou tirar nenhum pedaço… - ri em desafio.

Não importa o motivo a conceder a Astério o privilégio da torcida de dona Edna, a verdade exige que se diga dever-se a ela a vitória do tricampeão quando, considerando-se derrotado, já depositara o taco.

Ao contrário da empolgante disputa entre Fidélio e Seixas, na qual sucederam-se lances brilhantíssimos, a partida entre Ascânio e Astério arrastou-se longa e enfadonha. Equilibrada, é certo, porém nos desacertos e nos erros. Os adversários revelaram falta de treino e extremo nervosismo. Estando fora de forma, decepcionaram o público e os apostadores.

Durante o desenrolar da monótona competição, Elisa finge não entender as provocações de dona Edna – críticas às elegantes de segunda mão, palavras carinhosas de incentivo a Astério como se ele fosse seu marido ou amante. Para não ouvi-la concentrara-se nos lances da partida. Não entende grande coisa de bilhar mas, ainda assim, dá-se conta da péssima actuação de Astério. Se por acaso conseguir ganhar a Ascânio, igualmente ruim, perderá com certeza para Fidélio cuja exibição despertara entusiasmo geral. Engraçado como os homens são surpreendentes. Fidélio vivera até então retraído em seu canto, não se ouvia referência ao seu nome. De repente, devido ao assunto do coqueiral, transformara-se numa das pessoas mais badaladas da cidade. Segundo dizem, sua casmurrice não passa de sabedoria e sonsidão; um devasso enrustido. Sim, os homens são imprevisíveis; não houvesse dona Carmosina lhe contado tantas histórias de Fidélio, Elisa jamais acreditaria fosse ele um dom-juan. E o que dizer então de Astério, de seus gostos e preferências? Pelos vistos, a vagabunda da Edna, com aquela bunda chulada, está perdendo tempo, nunca terá vez.

Num gesto brusco, atira longe o cigarro de palha, ao ver Astério com quem apostara forte, botar fora a última chance de vitória. A última porque a partida chegara ao fim, faltando a Astério três pontos e a Ascânio apenas um. A diferença, para um tricampeão, recordista de carambolas, significava pouco pois lhe cabia jogar. Mas Astério afobara-se, perdera a tacada, deixando a bola na medida para Ascânio: bastaria calcular com precisão a força da tacada para marcar o ponto do triunfo. Astério encosta o taco, nada mais pode fazer, dia negro. Sente uma contorção no estômago, a primeira após a compra das terras de Jarde; pensava-se curado.

Ascânio contempla a mesa do bilhar, sorri vitorioso para Leonora, passa giz no taco, aproxima-se sem pressa, considera a partida ganha. Faz-se silêncio na sala, rompido pela voz de dona Edna, estridente:

- Osnar, você que é o Presidente da Bacia de Catarina, me diga se é verdade o que anda correndo por aí…

Debruça-se Ascânio sobre a borda do brunswick, coloca o taco, recua o braço, pronto a fazer a carambola…

- … que a beira do rio nunca andou tão frequentada, só se vê cara nova, cara de forasteira… que a forasteira não perde nem uma noite…

O taco espirra, apenas move a bola, ajeitando-a para Astério. No eco da
voz de dona Edna,
Ascânio perde a carambola e a partida.

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