quinta-feira, novembro 19, 2009


TIETA DO


AGRESTE

EPISÓDIO Nº 283


ONDE A CARNIÇA COMEÇA A FEDER



Apopléctico, Modesto Pires grita fora de si:

- Bando de urubus!

Canuto Tavares (duas vezes Antunes) ergue-se diante do dono do curtume:

- E o urubu mais porco de todos é o senhor! Usurário, agiota!

Os doutores Baltazar Moreira e Gustavo Galvão, quase sempre de comum acordo, trocam desaforos:

- Desleal, hipócrita, salafrário!

- Ignorante. Primário, analfabeto!

Doutor Franklin, em cujo cartório acontece a baderna, tenta apaziguá-los:

- Meus senhores, meus caros senhores, calma…

Teme que passem dos insultos aos tabefes. Dona Carlota, directora do colégio, habituada ao respeito, inicia um chilique. Doutor Marcolino vale-se do faniquito da histérica solteirona para obter calma e silêncio.:

- Vamos ouvir o que o doutor Baltazar tem a nos dizer. Já que ele tomou a iniciativa de procurar a Brastânio…

- Tomei e não preciso de pedir licença a ninguém para agir em defesa dos interesses dos meus constituintes… se querem ouvir , darei a informação, se bem não seja obrigado a fazê-lo…

O bafafá começou quando, reunidos no cartório a pedido do doutor Marcolino, em meio à explanação feita por ele, o doutor Baltazar o interrompeu anunciando:

- A medida que o colega propõe eu já a tomei, por conta própria. Não vale a pena perder tempo repetindo a mesma diligência.

Por conta própria ou seja por conta de dona Carlota e Modesto Pires, à revelia dos demais, pelas costas, traição, punhalada vil. A assembleia tornou-se tumultuosa. Mas doutor Marcolino, sempre sorridente, consegue acalmá-los, decepcionando o jovem Bonaparte, chegado a filmes de pancadaria: tivera fundadas esperanças de assistir a uma cena de pugilato entre Canuto e Modesto Pires, o quotidiano de Agreste torna-se excitante. Doutor Marcolino propõe que os epítetos sejam retirados, de lado a lado: dona Carlota, atendida pelo tabelião, volta a si, ainda trémula.

Insultos, ameaças, desmaio, como se doutor Baltazar houvesse abiscoitado para dona Carlota a dinheirama da Brastânio. No entanto, conforme explica o advogado, os resultados dos seus contactos com a directoria da empresa haviam sido negativos. Para começar, ao sabê-lo patrono do herdeiro do coqueiral, mandaram-no dirigir-se ao escritório do doutor Colombo, o que ele fez. Não falou da longa e humilhante espera na ante-sala, ao contrário ressaltou a cortesia com que o mestre o tratara. Cordial porém categórico.

Segundo disse o interesse da Brastânio por Agreste até àquele momento era puramente teórico, pois o governo do estado ainda não se pronunciara sobre a localização da indústria. Havia, é certo, possibilidades de a fábrica ser instalada em Agreste, mas antes de uma decisão das autoridades competentes, a Brastânio sentia-se impedida de estabelecer acordos, discutir preços, adquirir terrenos. Ali ou alhures, onde fosse. Como passar por cima do Governo, adiantando-se a uma decisão oficial, ainda em estudos? Ademais, como tratar com pessoas faltas de qualquer condição jurídica, pseudo - herdeiros, sem direitos assegurados?

Antes de propor acordos, devem procurar o reconhecimento das suas pretensões, pois a companhia, se for o caso de conversações e acerto, tratará somente com herdeiros proclamados como tais pela justiça. Quanto à alardeada desapropriação, sobre ela, declarou nada saber, não deve passar de especulação da imprensa:

- Mas, se o Prefeito pensa em desapropriar a área visando futura valorização, isso é problema dele e não meu…

Com essa afirmação, evidentemente falsa, mestre Colombo despedira o prezado colega. Doutor Baltazar termina narrativa afirmando, conciliatório, ter sido sempre sua intenção relatar essas démarches aos demais herdeiros.

Segue-se um silêncio de meditação, logo interrompido por Canuto Tavares:

- Pelo visto estamos no mato sem cachorro…

Não é essa a opinião do doutor Marcolino, que reclama a reconciliação geral tendo em vista uma acção colectiva junto ao futuro prefeito. Bem conduzida, a desapropriação poderá revelar-se solução aceitável. Não adianta tentar impedi-la, por ser medida legítima; devem torná-la proveitosa. Que acham os caros colegas?

No calor da tarde, lá se vão eles, trotando nas ruas de Agreste. No cartório, doutor Franklin aperta as narinas com os dedos, murmurando:

- Está cheirando mal…

Bonaparte lastima:

- Pensei que Canuto fosse meter o braço em seu Modesto. Ia ser sensacional… Já pensou, Pai?

- Nem quero pensar.

Site Meter