sexta-feira, novembro 20, 2009


TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 284




ONDE O LEITOR TOMA CONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE UM COMITÉ ELEITORAL AINDA CLANDESTINO


Pau para toda a obra, Ricardo transforma-se em importante peça da esforçada equipe que trabalha em segredo no quintal do chalé do Comandante, transformado em sede de comité eleitoral. Por ora clandestino, pois a candidatura permanece secreta, conhecida apenas de alguns conspiradores. O Comandante concordara com um pedido de Tieta: não bote o andor na rua antes que eu tenha conversado com Ascânio e com o coronel Artur.

Ricardo ajuda nos trabalhos de carpintaria e de pintura, vai comprar pano na loja do tio Astério, serve de elemento de ligação dos conjurados, circulando entre a agência dos Correios, o bar, a casa de dona Milú, sem esquecer as sagradas obrigações para com a igreja. Na igreja encontra Cinira, estudando para beata, galgando os degraus da torre, ela na frente, ele atrás a contemplar. Em correria pela cidade, certamente na intenção de cortar caminho, penetra em becos e desvios, resvala nos braços de Maria Imaculada, toda ela em dengue e queixa: pensei que tu nunca mais ia aparecer, bem.

À noite, participa da conferência do Estado – Maior – dona Carmosina, Aminthas, o Comandante – vibra com os planos da campanha, antes de recolher-se aos seios de Tieta. Na fúria dos dezassete anos, devotado e incansável, cumpre com brilho os deveres de cidadão e de homem. Pau para toda a obra.

Portador de uma peça de algodãozinho, no quintal deserto na hora da sesta, Ricardo houve um discreto psiu a chamá-lo, não vê ninguém. Mais forte o apelo se repete, proveniente do outro lado da cerca.

O quintal do chalé limita com o quintal da casa onde vive, submissa mas não resignada, a defesa e cobiçada Carol. Garantia de tranquilidade para Modesto Pires, a quem uma sina injusta e o poder do dinheiro concedera direitos exclusivos sobre a beldade em cativeiro; impossível melhor vizinhança. A incurável monogamia do Comandante é pública e notória; o próprio Osnar perdeu a esperança de um dia conduzi-lo à alegre convivência da pensão da Zuleika. Acresce o sentimento de gratidão, profundo em Carol, fazendo-a devota de dona Laura. As senhoras de Agreste evitam qualquer contacto com a amásia do ricalhaço. Todas à excepção de dona Laura de Queluz, nascida e criada no sul, liberal. Também dona Milú não conta: por viúva, provecta e parteira, está acima dos cânones locais, além do bem e do mal.

Florida cerca de arame no qual se enramam trepadeiras azuis e amarelas separa os dois quintais. Pelas fendas da cerca, acontece Carol espiar o quintal vizinho, quase sempre silencioso e tranquilo, mesmo quando os donos da casa estão na cidade. Por vezes Gripa, a empregada, vem colher limões. De manhã cedo o Comandante dedica-se à ginástica que, somada ao mar de Mangue Seco, ajuda-o a manter a forma atlética. Admirá-lo é prazer platónico, inconsequente pelas razões expostas. A integridade do Comandante e a gratidão da manceba reduzem o espectáculo a pura emoção estética.

Assim sendo, imagine-se a surpresa de Carol ao constatar desabitual movimento do lado de lá da cerca. Colocando-se à espreita, notou a existência de estranho material de trabalho, tábuas, ripas, pano, cartolina, tintas, à disposição de sensacional trupe. Delas participam os galantes moços do bar – Aminthas que lhe pisca o olho e acena adeus, Seixas, o dos longos suspiros ao passar sob sua janela, Fidélio, dos quatro o mais bonito, reservado e esperto, aguardando um ensejo propício e o descarado Osnar. De repente, acompanhados por dona Carmosina, invadem o quintal, desenrolavam pano e cartolina, batiam martelos, misturavam tintas. O Comandante ditava ordens. Seu Modesto, em noite recente, disse que o povo de Agreste anda de cabeça virada.

A excitação da opípara e proibida Carol chega ao cúmulo quando percebe, através das folhas das enredadeiras, o vulto inesperado e angélico do adolescente Ricardo, de pé maneiro e perna cabeluda. Adormece com ele nas noites de agonia e desamparo, acarinhando o travesseiro. Agora o tem ali, ao alcance da mão. Seu Modesto sabe o que diz, Agreste ganha repentino encanto.

Repete o psiu, Ricardo se adianta, coloca o rosto na fresta, uma coroa de flores na cabeça.

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