sexta-feira, novembro 27, 2009


TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 290




Comecei a pensar se não estão enrolando Ascânio, ele ainda é novinho, fácil de intrujar. Mandei chamar ele aqui, falei dos artigos, da imundice, dessa história da poluição.

Quando Enoch morreu, eu recomendei a Ascânio: mantenha a cidade limpa, já que não pode trazer de volta a animação. Então, que conversa é essa, agora, de botar aqui uma fábrica que ninguém quer em lugar nenhum? Me respondeu que com a fábrica a animação vai voltar, Agreste vai conhecer de novo a prosperidade. Que essa história de poluição não passa de invencionice de uns sujeitos que não querem que o Brasil vá para a frente, são contra o governo, mandados pela Rússia, como aquele rapaz Giovanni, que andou por aqui e ficou muito amigo de Carmosina. Mas eu lhe fiz ver que também O Estado de São Paulo baixava o pau nessa indústria e eu nunca soube que O Estado de São Paulo tivesse a ver com a Rússia, O Estado não é jornal de inventar coisas.

Ele embatucou mas pediu que eu não tivesse receio, que só deseja o benefício de Agreste. Isso eu acredito, Ascânio é um menino bom. Mas pode estar sendo enrolado. Tu é que sabe a verdade e vai-me dizer.

Tieta ouve sem interromper. O velho fala devagar, cortando as frases ao meio, a respiração curta. Apenas provou o café trazido por Merência. De quando em quando uma cabra dispara no terreiro, o Coronel levanta a vista.

- Para ver o senhor e conversar dessas coisas é que vim, Coronel. Também gosto de Ascânio, penso que é um rapaz direito. Vive sonhando com os tempos passados, do avô dele e do senhor, pensa que a Brastânio vai fazer voltar aquele movimento e aí ele se engana. Se fosse uma fábrica de tecidos, de sapatos, todo o mundo estava de acordo. Mas A Brastânio vai produzir dióxido de titânio…

- E que diabo é esse dióxido de titânio?... Carmosina me explicou, mas ela é letrada demais para o meu entendimento…

- O que é, no duro, eu mesma não sei, coronel, não lhe vou mentir. Mas sei que é a indústria pior do mundo para poluir. Vai destruir o nosso clima que é tão bom, empestar a água do rio e do mar, terminar com os pescadores.

- Envenena tudo, Coronel, até as cabras.

- As cabras também?

- Por isso, Coronel, é que estou aqui para lhe dizer que, se Ascânio continuar a apoiar a instalação da Brastânio, nós vamos lançar a candidatura do comandante Dário a prefeito.

O coronel Artur da Tapitanga estremece, tomado de indignação, como se Tieta o houvesse esbofeteado. Um lampejo de cólera nos olhos; a voz, num esforço supremo, se afirma violenta:

- Nós, quem? Como se atreve a falar em candidatura sem me consultar?

- Ninguém, Coronel, não se altere. Não há ainda nenhuma candidatura. O Comandante, a Carmosina, eu e outros amigos queremos obter o seu acordo, para isso estou aqui. O senhor é padrinho de Ascânio, patrono da candidatura dele. Nós não somos contra Ascânio, somos contra a fábrica de dióxido de titânio. É só Ascânio dizer que não tem nada com a fábrica, que não vai favorecê-la e acabou-se a briga. Mas, se ele não aceitar, não temos outro jeito, Coronel, porque não queremos que Agreste vire…como o jornal disse…uma lata de lixo…

O velho descansa o queixo na bengala, nada mais resta de cólera, os olhos apagados, a voz lenta e baixa repete:

- Uma lata de lixo…Isso mesmo. Carmosina leu para mim. Não já lhe disse que falei com Ascânio? Falei, faz dias. Sabe o que ele me respondeu? Que tinha muita honra em ser candidato da fábrica, que ia até ao fim de qualquer maneira. Que ninguém vai impedir que ele arranque Agreste da leseira.

A mão descarnada busca a mão de Tieta, toca os dedos repletos de anéis, pedras preciosas:

- Ouça, minha filha, você está conversando com um bode já sem serventia, solto no campo para morrer. O desinfeliz pensa que ainda é o pai do terreiro, não é mais nada, até os cabritos novos lhe metem os pés. O Coronel Artur de Figueiredo, que mandava e desmandava, se acabou. Não nomeio mais candidato nem disputo eleição. Tu não vê? De um lado, os capitalistas da fábrica não são nem daqui. Do outro tu, Tieta, que eu conheci menina, descalça, tangendo as cabras, agora coberta de brilhantes. Não conto mais para nada – Na voz, cansaço e amargura.

Comovida, Tieta afaga-lhe a mão. Carinhosamente:

- Não diga isso, Coronel. Se o senhor largar Ascânio de mão, não tem fábrica que eleja ele. O senhor é o dono da terra. Manda na gente daqui. Tanto isso é certo que se o senhor me pedir ou me ordenar, eu acabo com a candidatura do Comandante neste instante, aqui mesmo. Contra o senhor não me levanto nem para salvar as cabras

Desponta um sorriso nos lábios murchos do ancião:

- Não acredito que esse titânio mate cabras, Tieta, tu dizes isso pra me enrolar. Mas não te peço nem ordeno nada. Não me meto mais cada um faça o que quiser. Ascânio pensa que está agindo certo, é lá com ele. Tu, Carmosina, o Comandante, não sei mais quem, acham o contrário. Se eu ainda tivesse ambição de dinheiro, era bem capaz de apoiar a tal indústria, me associar com os forasteiros, por dinheiro a gente vende até a alma. Se ainda tivesse amor à vida, apoiava vocês, o pior homem do mundo pode, às vezes ter um gesto grande. Não tenho mais nada a ganhar nem a perder no mundo, Tieta, perdi até o gosto de mandar. Mas agradeço o que tu disse, a consideração que teve para com um velho. Tuas palavras puseram mel em minha boca, perto da hora da morte.

- Coronel, antes de ir embora, queria uma coisa.

- Pois ordene.

- Conhecer Ferro-em-Brasa, aquele seu bodastro. Para comparar com o bode Inácio, um que foi do velho Zé Esteves.

- Vou mandar lhe levar no curral.

- Não me acompanha? Vamos me dê o braço, se levante… - toma o braço do Coronel e o prende contra o seio.

Descem juntos os degraus da varanda:

- Tu não é gente. Tu é o cão em figura de mulher – Um suspiro fundo.

- Se eu tivesse dez anos menos, se andasse aí pelos setenta e cinco, ah!, tu
não ia continuar viúva
que eu não deixava.

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