quinta-feira, dezembro 03, 2009


TIETA DO


AGRESTE

EPISÓDIO Nº 295





DO DIÁLOGO DAS DUAS IRMÃS SOBRE ASSUNTOS DE FAMÍLIA, CAPÍTULO UM TANTO SÓRDIDO ONDE É LAVADA A ROUPA SUJA E SE PÔE MERDA NO VENTALIDOR



Desnuda, florescida em galhas, recoberta de chifres e isso que ela não sabe da missa a metade, Tieta enfrenta a irmã. Despira-se à espera do pulha, para degustar todos os condimentos da traição, percorrer a escala da vileza até ao fim, sentir o desespero transformar-se em ódio quando ele estendesse a mão ainda quente do calor da outra e lhe tocasse o corpo. Assim acontecera.

Nudez agressiva, bela e opulenta, na pujança dos seios arrogantes, das longas coxas, da altaneira bunda do saracoteio, da negra e profusa mata de pelos – além da cornadura, apenas o bordão. Ao vê-la de tal sorte impúdica e colérica, Perpétua decidira adiar a inevitável explicação, o difícil confronto. Para conversação de subtilezas e meias palavras, de subentendidos, exige-se tranquilidade, ânimo sereno. Desaconselhável em hora de cabeça quente e orgulho ferido. No ajuste de prestações de contas, Tieta pode resolver cobrar aleives do passado.

Perpétua tenta cerrar a porta do quarto, recolher-se, borrar dos olhos o que vira. Mas não chega a completar a manobra de recuo. Tieta percebe o bruxuleio da chama do candeeiro, advinha a irmã à espreita, a raiva culmina:

- Que faz aí, escondida, espiando?

Descoberta, Perpétua mostra-se, avança um passo:

- O que aconteceu? O que é que isso significa?

A voz sibilante não reflecte escândalo e furor, apenas espanto. Ainda há tempo para salvar a moralidade, manter a decência. Disposta a colaborar, Perpétua deixa margem para qualquer versão satisfatória: Ricardo vem-se revelando voluntarioso e desobediente, não cumpre horários, merece repreensão e castigo. Quanto à nudez das personagens, explica-se pelo calor de verão ou não se fala nisso, detalhe secundário. Salvas as aparências, as negociações tornar-se-ão mais fáceis. Mas Tieta descontrolada, despreza a oportunidade, põe a merda no ventilador:

- Significa que o cachorro do seu filho se atreveu a me botar os cornos com uma putinha descarada, coisa que nenhum homem me fez.

Perpétua abafa um grito com a mão. Avança mais um passo, encosta-se à parede do gabinete:

- Quer dizer que tu e Cardo…Que horror, meu Deus! – Pasmo e repulsa estampam-se na face mas novamente a mão impede o lamento. Em Agreste, o sono da vizinhança é leve; despertados pelo estardalhaço de Tieta, quantos não estarão á escuta?

Arrastando o pesado fardo da traição, a abundante colheita de chifres, Tieta caminha para o quarto, senta-se na cama, as pernas dobradas, indecente postura. A indignação e a raiva prosseguem implacáveis, agora voltadas contra a irmã:

- Não venha bancar a inocente, fazendo que não sabia quando estava farta de saber.

- O que é que tu quer dizer com isso? Tu está louca? Eu te recebi em minha casa, de braços abertos, pensando que tu tinha mudado. Tu não mudou nada, é a mesma depravada de antes. Desencaminhou um menino inocente, temente a Deus, desgraçou a vida dele. Ia ser padre, agora está excomungado… - abafa um soluço, mãe em pânico, estarrecida – E ainda tem coragem de dizer que eu sabia. Vade retro – Não cabendo mais remendo, resta-lhe enfrentar a situação, tomar a ofensiva.

- Não sabia! Cínica! – o desejo de Tieta é esbofetear a hipócrita, baixar-lhe o bastão nas costas como fez com o nojento – Quem foi que mandou o filho de noite para Mangue Seco quando viu que eu estava tarada por ele? Com olho no meu dinheiro, pensa que não me dei conta? Mas você se esqueceu de explicar a ele que não nasci para carregar chifres. Não sei onde estou que não lhe meto o braço.

O candeeiro na mão, no corredor, diante da porta do quarto, acuada contra a parede, suor frio na testa, Perpétua reage:

Tu está inventando calúnias para fugir à responsabilidade – A voz agressiva, o dedo num gesto acusador – Tu não pode desviar um menino inocente do sagrado caminho do sacerdócio, cortar sua carreira, sem…

- Sem pagar, não é? Você só pensa em dinheiro. Antigamente, só pensava em arranjar um homem disposto a te comer, não era?

- Nunca tive esses pensamentos, não sou tua igual.

- Então por que prometeu um filho a Deus? Não foi para arranjar um homem com quem trepar? Você não é igual a mim porque é pior. Astuciou tudo isso para me tomar dinheiro. Quando me cedeu a alcova e botou ele para dormir ali defronte, já foi um plano. Eu devia ter desconfiado.

- Mentira, nem me passava pela cabeça…

- Depois, quando me viu de olho nele, armou o bote, não foi?

- Não adianta tu continuar inventando embustes. Eu quero saber o que é que tu vai fazer para compensar meu filho. E quero saber agora mesmo.

Site Meter