segunda-feira, dezembro 14, 2009


TIETA DO

AGRESTE



EPISÓDIO Nº 304




DA POLUIDA VIA SACRA NA LONGA NOITE DE AGRESTE – SEGUNDA ESTAÇÂO: O ANEL DE COMPROMISSO E A TAÇA DO FEL




Quer tomar um banho, antes de comparecer no velório. Sentada no batente da porta, pitando o cachimbo, Rafa informa:

- Tem gente.

- Em casa? Quem?

- Uma tipa. Foi entrando.

Leonora? Quem pode ser senão ela?

Há dias, Leonora vem tentando convencê-lo a se encontrarem em casa dele, cansada na certa da imprudente e incómoda incursão nocturna aos barrancos do rio. Mas Ascânio deseja que a bem – amada transponha a porta da tradicional residência da família na qualidade de senhora Ascânio Trindade, em pleno dia, vinda do altar, esposa. Naquela cama de jacarandá onde dormiram seus pais, pretende que ela se deite somente quando as leis dos homens e de Deus tiverem consagrado suas relações.

Eis que Leonora o coloca diante do facto consumado. Levantando-se da cama onde se estendera, atira-se em seu pescoço, oferece-lhe a boca para o beijo:

- O ônibus estava demorando, Mãezinha foi para o velório, vim te esperar aqui. Se fiz mal me perdoe. Estava morrendo de saudade, amor.

- Eu também. Não via a hora de voltar. Mas, você não…

- O que é que tem? – interrompe a repreensão com um beijo.

Os beijos se repetem, tornam-se mais longos e ardentes, Ascânio sente o corpo de Leonora estremecer, colado ao seu. Gostaria de tomar um banho, livrar-se da poeira e do enfado da viagem mas ela mas ela o puxa para a cama, acaricia-lhe o rosto fatigado.

- Você está triste, meu amor. Não conseguiu acertar o que queria?

Ascânio descansa a cabeça sobre o ombro de Leonora:

- Não consegui falar com doutor Mirko. Não está na Bahia, pelo menos foi o que me disseram. Uma história muito atrapalhada que me deixou muito cabreiro.

Mais do que cabreiro – ofendido, soturno, de moral baixa. Leonora cobre-lhe a face com beijos, tentando animá-lo. Ascânio toma as mãos da moça:

- Só tenho você no mundo, Nora. Mais ninguém.

Tocando-lhe os dedos, lembra-se do anel de compromisso, oferta da Brastânio naqueles dias alegres de intimidade e confiança entre ele e os directores da Companhia. Ficara no bolso da outra roupa, vai buscá-lo.

- Quero te dar uma coisa…

Pensara oferecê-lo em festiva cerimónia, na presença da madrasta, dos parentes e de alguns amigos, ao pedir a mão de Leonora em casamento. Resolve desistir da solenidade e protocolo. Para ter o direito de entrar naquela casa, Leonora deve ser ao menos sua noiva. Por outro lado, ele bem merece uma alegria que compense o menosprezo dos funcionários da Brastânio.

Coloca o anel no dedo anelar da mão direita de Leonora, o dedo certo para o anel de noivado. Pela segunda vez executa o mesmo gesto de amor e compromisso. Na primeira, depositara anel e confiança, promessa e coração em mãos de noiva indigna. Pagara caro pelo erro, destroçado pela traição, morto para o amor. Mas um dia acontecera o impossível: da marinete de Jairo desceu a
mais bela e pura das mulheres, essa que a partir de agora é
sua prometida:

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