sábado, dezembro 12, 2009


TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº303




DA POLUIDA VIA-SACRA NA LONGA NOITE DE AGRESTE – PRIMEIRA ESTAÇÃO: O MENOSPREZO NAS FIOS TELEFÓNICOS


No calorão da tarde, a marinete encontra-se em pane na estrada, os passageiros sofrendo na expectativa do motor pegar. Padre Mariano arrasta Ascânio para a sombra do veículo, o suor pingando sob a batina – não adoptara a moda moderna de calça e camisa esporte, tão em voga entre os padres da capital:

- Não sei, não, meu Ascânio, essa eleição é uma lotaria. Se o coronel se empenhasse, ia ser uma peleja de gigantes, ele de um lado, dona Antonieta do outro. Mas até isso a nossa Comendadora conseguiu: tirar o coronel do páreo, um verdadeiro milagre – balançou a cabeça, olhar de compaixão, só faltou dizer que a candidatura de Ascânio tinha levado a breca – Conversando sobre a nova instalação eléctrica da Matriz, contei ao Senhor Bispo auxiliar: apareceu uma santa em Agreste, em carne e osso, faz milagres.

Ascânio engole em seco, não pode contestar, trata-se da madrasta de Leonora, Santa? O diabo em pessoa, inimiga jurada de sua candidatura a prefeito e a seus projectos de noivado e casamento. Sempre que ele toca nesse assunto, Leonora desconversa, contorna, escapa, reticente. Duvidar do amor da moça, impossível, ela lhe concedera as provas maiores. Que podia ser, senão a discordância categórica da madrasta, desejosa de casamento milionário, digno da enteada? Tieta tornara-se o pesadelo de Ascânio, asa negra, anjo mau a atropelar-lhe os passos a cada instante. Dois dias antes, Vadeco Rosa, dono de algumas dezenas de votos, encabulado, coçando a cabeça, comunicara:

- Para mim, candidato precisa ter avalista de peso, como ser coronel Artur ou dona Antonieta. Traga o aval do Coronel ou de dona Antonieta e leva os meus votos.

Inimiga jurada, anjo mau, asa negra, pesadelo de Ascânio; comendadora, santa, aval do comandante. A conversa do padre Mariano aumenta a aflição do candidato. Regressa de Esplanada desanimado e inquieto. Uma vez se sentira assim, maltratado, ferido, objecto de humilhação e pouco caso: quando fora a Paulo Afonso lutar pela energia da Hidrelétrica para o município. Os chefões trataram-no com desprezo, riram dele. Depois, com dois simples telegramas, dona Antonieta resolvera o caso. Sempre ela.
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Agora, ainda pior. Volta não apenas cabisbaixo mas temeroso, roído de suspeitas. Nada de concreto, mas não lhe agradara o tratamento dos funcionários da Brastânio ao telefone. Surpreendera-o sobretudo Bety, amável e brincalhona na véspera, quando da primeira chamada. Distante, seca e apressada quando ele voltara a ligar. Ficara com a pulga atrás da orelha.

Quatro vezes comunicara-se com Salvador, buscando falar com o Magnífico para lhe expor a situação, a luta eleitoral, a necessidade de ajuda da Brastânio. Talvez Doutor Mirko já estivesse a par, A Tarde noticiara o lançamento da candidatura do Comandante. O doutor estava ausente, disseram-lhe na véspera e o puseram em comunicação com Bety. A secretária-executiva confirmou a notícia, o Magnífico Doutor fora a São Paulo mas retornará à Bahia naquela mesma noite. Propôs que ele voltasse a chamar no dia seguinte. Gentil, a voz de frete, tratando-o de gostosão, pedindo notícias do lindo – o lindo era Osnar. Até aí tudo bem.

No dia seguinte, ou seja, naquela manhã, Ascânio telefonou primeiro para o Hotel e tendo-se identificado, soube que realmente o doutor Stefano regressara de viagem na noite passada mas saíra cedo para o escritório. Ligou então para a Brastânio – cada pedido de comunicação significava uma enorme mão-de-obra, interminável espera; felizmente a telefonista de Esplanada conhecia Canuto Tavares e teve a maior boa vontade. Ao pedir para falar com o doutor Mirko Stefano – sou Ascânio Trindade de Sant’Ana do Agreste, estou telefonando de Esplanada – disseram que iam transferir a ligação para a sala do doutor, um momentinho durou alguns minutos. Ascânio afobado, no receio de que a linha caísse. Por fim voltou a voz anónima, doutor Stefano estava ausente, em viagem, sem data de regresso. Ascânio quis falar com Bety, nova demora antes que a voz anunciasse: a secretária se encontrava ocupada, não podia atender naquele momento. Meia hora depois, Ascânio insistiu e após muito rogo sobre Bety, impaciente e brusca: o doutor Mirko permanecia em São Paulo. No Hotel informaram que já chegaram, na véspera à noite? No escritório não sabiam de nada, ali não aparecera nem era esperado. Se valia a pena chamar novamente, mais tarde? Naquele dia, certamente não. Por que não escreve uma carta e envia pelo correio? O assunto é urgente e importante? Ela nada pode fazer e vai desligar, não tem tempo para bater papo. Tenta retê-la: ouça Bety, por favor… A apressada nem sequer ouviu o fim da frase, depôs o fone. Tudo aquilo lhe parecera estranho, causara-lhe impressão desagradável, sentia-se acabrunhado. Escreveu a carta, pedindo resposta urgente, colocou no correio.

Naquela tarde a marinete pifou três vezes. Jairo usou o reportório inteiro: os mais ternos apelidos, os palavrões mais grossos. Chegaram a Agreste ao cair da noite, Chalita os recebera com uma notícia triste, o falecimento do velho Jarde Antunes. Deitara-se após o almoço, fechara os olhos, não os abrira mais:

- Quando se deram conta o corpo já estava frio. A sentinela é lá mesmo na pensão de Amorzinho.

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