sexta-feira, janeiro 15, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 19

- Meus pêsames?
- Pêsames? A mim? Não minha cara, não desperdice sua civilidade. Por mim já podia ter esticado há muito tempo, não sinto a falta. Agora posso bater no peito e dizer de novo que na minha família não tem desclassificado nenhum. E que vergonha, hein? Escolheu para morrer no meio do Carnaval, vestido de máscara…de propósito.

Parava ante dona Norma, descansava a maleta, a cesta e o pacote no chão para melhor examinar a outra, medi-la de alto a baixo, e dizer-lhe num elogio velhaco:

- Pois, sim senhora…Não é para lhe gabar mas vosmicê engordou um bocado…Está bonitona, moderna, gorda de fazer gosto, benza-te Deus e te livre de mau olhado…

Ajeitava a cesta de onde os caranguejos tentavam fugir, persistia renitente:

- Assim é que eu gosto: mulher não liga para besteiras de moda…Essas que andam por aí fazendo regime para emagrecer, termina tudo tísica…Vosmicê…

- Não diga isso, dona Rozilda. E eu que pensei que estava mais magra… Fique sabendo que estou gramando um regime daqueles brabos…Cortei o jantar, tem um mês que não sei o gosto do feijão…

Dona Rozilda voltou a considerá-la com olhar crítico:

- Pois não parece…

Ajudada por dona Norma, recuperou os embrulhos; embicavam para o elevador Lacerda, dona Rozilda a matracar:

- E seu Sampaio? Sempre metido na cama? Nunca vi homem mais sem graça. Parece um cachorro velho…

Dona Norma não gostou da comparação, sorriu num protesto:

- É o génio dele que é assim mesmo…Esmorecido…

Dona Rozilda não era mulher para desculpar as fraquezas humanas:

- T’esconjuro…Um marido engajamento como o seu deve ser um castigo. O meu…o finado Gil…Bem, não vou dizer que valesse grande coisa, não era nenhum santo…Mas, em comparação com o seu…Ah! minha filha, eu lhe digo: se fosse eu não tolerava não…Um homem que não sai, não vai a parte nenhuma, emborcado dentro de casa…

Dona Norma tentava repor a conversa na sua trilha lógica: afinal dona Rozilda perdera um genro, por isso viajara à Capital, sobre tão palpitante e dramático assunto deviam discorrer, para tanto estava dona Norma preparada:

- Flor anda muito triste e abatida, sentiu demais…

- Porque é uma pamonha, uma toleirona. Sempre foi, nem parece minha filha. Saiu ao pai, vosmicê não conheceu o finado Gil. Não é para me elevar, não, mas o homem da casa era eu. Ele não piava nem mugia, quem resolvia tudo era esta sua criada. Flor puxou a ele, saiu molengas, sem vontade; senão, como ia aguentar tanto tempo o tal de marido que arranjou?

Dona Norma considerou para si mesmo que, se o finado Gil não fosse ele também um banana, um molengas sem vontade, certamente não teria suportado por muito tempo tal esposa, e lastimou a sorte do pai de dona Flor. E a de dona Flor agora ameaçada de constantes visitas da mãe, capaz até – quem sabe? - de vir residir com a filha viúva, corrompendo a atmosfera cordial do Sodré e redondezas.

No tempo de Vadinho, quando dona Rozilda aparecia era às carreiras, em rápidas passagens, o indispensável para falar mal do genro e empreender o caminho de volta antes do maldito surgir com as suas graçolas de mau gosto. Porque com Vadinho, dona Rozilda nunca levara vantagem, jamais o dominara, nem sequer conseguia deixá-lo nervoso e irritado. Apenas a enxergava a cochichar, era tomado de riso, demonstrando a maior satisfação, como se a sogra fosse a sua
visita preferida, o pulha.

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