DONA
FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 26
Eram elas, as meninas. Rosália na máquina a pedalar, costurando para fora, cortando vestidos, bordando blusas finas. Flor, a princípio na preparação de bandejas de salgados e doces para festinhas familiares, pequenas comemorações: aniversários, primeiras comunhões. Se era a costura o forte de Rosália, era a cozinha o fraco da menina mais moça: nascera com a ciência do ponto exacto, com o dom dos temperos. Desde pequena fazia bolos e quitutes, sempre rondando o fogão, aprendendo os mistérios da arte suprema com a tia Lita, uma exigente. Tio Porto não possuía outro vício, além da pintura dominical, senão os bons pratos. Era um frequentador de carurus e sarapatéis, perdido por uma feijoada ou um cozido de muita verdura. Das bandejas de pastéis e empadas, das encomendas de almoços, partira Flor para receitas e aulas e, por fim para a Escola de Culinária.
Uma na máquina, no corte e na costura, outra na cozinha, no forno e no fogão, dona Rozilda ao leme, iam atravessando. Modestamente, mediocremente, à espera dos cavaleiros andantes a surgirem numa festa ou num passeio, cobertos de dinheiro e títulos. O primeiro arrebatando Rosália, o segundo conduzindo Flor, ambos ao som da Marcha Nupcial, para o altar e para o mundo alegre dos poderosos. Primeiro Rosália, era a mais velha.
Obstinada, dona Rozilda espreitava o dobrar das esquinas, aguardando esse genro de ouro e prata, cravejado de diamantes. Por vezes um desânimo a invadia, e se não acontecesse o príncipe encantado? Era tempo dele surgir, impossível esperar a vida inteira, as moças atingiam a inquieta idade do homem.
Rosália, vinte anos desdobrados em suspiros na janela, fartos do pedal da máquina de costura, reclamava urgente esse duque, esse conde, esse barão – quando se propunha ele a resgatá-la? Tão larga demora, tão cansativa espera – não se visse Rosália de súbito no fundo do barricão, solteirona, empedernida donzela, com aquele fedor a azedo das virgens encruadas, ao qual se referia sorrindo o bom tio Porto a mangar dos pruridos aristocráticos da cunhada.
De quando em quando, Rosália o antevia, ao ansiado pretendente: nas festas de dança, vasqueiras; nos passeios à casa da tia, no Rio Vermelho; em matinês de cinema, ou ao volante de uma baratinha, todo de branco num domingo de regatas, académico trocista ou estudioso sobraçando grossos volumes de ciência ou curvado no malabarismo de um tango argentino de todo capricho; romântico ao som de uma serenata pela noite.
Dona Rozilda também esperava, ia crescendo em impaciência: quando, quando surgiria ele, esse anunciado genro, esse milionário, esse lorde, esse fidalgo, esse doutor de borla e de capelo, esse atacadista da Cidade Baixa, esse fazendeiro de cacau ou de tabaco, esse dono de loja ou mesmo de armarinho, em último caso esse suado gringo de armazém de secos e molhados, quando?
FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 26
Eram elas, as meninas. Rosália na máquina a pedalar, costurando para fora, cortando vestidos, bordando blusas finas. Flor, a princípio na preparação de bandejas de salgados e doces para festinhas familiares, pequenas comemorações: aniversários, primeiras comunhões. Se era a costura o forte de Rosália, era a cozinha o fraco da menina mais moça: nascera com a ciência do ponto exacto, com o dom dos temperos. Desde pequena fazia bolos e quitutes, sempre rondando o fogão, aprendendo os mistérios da arte suprema com a tia Lita, uma exigente. Tio Porto não possuía outro vício, além da pintura dominical, senão os bons pratos. Era um frequentador de carurus e sarapatéis, perdido por uma feijoada ou um cozido de muita verdura. Das bandejas de pastéis e empadas, das encomendas de almoços, partira Flor para receitas e aulas e, por fim para a Escola de Culinária.
Uma na máquina, no corte e na costura, outra na cozinha, no forno e no fogão, dona Rozilda ao leme, iam atravessando. Modestamente, mediocremente, à espera dos cavaleiros andantes a surgirem numa festa ou num passeio, cobertos de dinheiro e títulos. O primeiro arrebatando Rosália, o segundo conduzindo Flor, ambos ao som da Marcha Nupcial, para o altar e para o mundo alegre dos poderosos. Primeiro Rosália, era a mais velha.
Obstinada, dona Rozilda espreitava o dobrar das esquinas, aguardando esse genro de ouro e prata, cravejado de diamantes. Por vezes um desânimo a invadia, e se não acontecesse o príncipe encantado? Era tempo dele surgir, impossível esperar a vida inteira, as moças atingiam a inquieta idade do homem.
Rosália, vinte anos desdobrados em suspiros na janela, fartos do pedal da máquina de costura, reclamava urgente esse duque, esse conde, esse barão – quando se propunha ele a resgatá-la? Tão larga demora, tão cansativa espera – não se visse Rosália de súbito no fundo do barricão, solteirona, empedernida donzela, com aquele fedor a azedo das virgens encruadas, ao qual se referia sorrindo o bom tio Porto a mangar dos pruridos aristocráticos da cunhada.
De quando em quando, Rosália o antevia, ao ansiado pretendente: nas festas de dança, vasqueiras; nos passeios à casa da tia, no Rio Vermelho; em matinês de cinema, ou ao volante de uma baratinha, todo de branco num domingo de regatas, académico trocista ou estudioso sobraçando grossos volumes de ciência ou curvado no malabarismo de um tango argentino de todo capricho; romântico ao som de uma serenata pela noite.
Dona Rozilda também esperava, ia crescendo em impaciência: quando, quando surgiria ele, esse anunciado genro, esse milionário, esse lorde, esse fidalgo, esse doutor de borla e de capelo, esse atacadista da Cidade Baixa, esse fazendeiro de cacau ou de tabaco, esse dono de loja ou mesmo de armarinho, em último caso esse suado gringo de armazém de secos e molhados, quando?
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home