domingo, fevereiro 07, 2010



AS ESCUTAS…






Na minha juventude estudei num Colégio Interno na cidade de Tomar que tinha um sector para o masculino e outro para o feminino funcionando em edifícios distintos e em locais diferentes da cidade para que as tentações de aproximação entre sexos nem sequer existissem.

Aos domingos, a missa era a horários desencontrados para rapazes e raparigas evitando encontros quer na Igreja, tão pouco nos trajectos de acesso, mas havia um dia por ano, o da Festa do Colégio, em que os alunos de ambos os sexos se viam… mas pouco e sempre debaixo de apertada vigilância:

- No jogo de futebol, em sectores diferentes do Estádio e devidamente enquadradas pelo pessoal vigilante, quando a nossa equipa defrontava a da Escola Industrial.

- Nesse mesmo dia, mas já entrando pela noite, nas instalações do Cine-Teatro, numa espécie de espectáculo de variedades em que os alunos iam ao palco apresentarem as suas habilidades em matéria de canto, dança e representação.

Num desses números de dança, uma das minhas colegas não vestiu por baixo o saiote próprio para as danças de rodopio e como os lugares da plateia estavam num plano ligeiramente mais baixo que o palco, quando girou, as saias rodaram e subiram e só não lhe vi a cor da roupa que trazia por baixo porque, naquela fracção de segundo, fechei os olhos…

Surpreendi-me a mim próprio com aquele cerrar de olhos e nunca contei a ninguém para me furtar às críticas óbvias que me seriam feitas: … então, pá, tens à tua disposição o espectáculo mais desejado e zás…fechas os olhos ???!!!

Tenho tido muitos anos, bem mais de meio século, para pensar no por quê daquela reacção instintiva, tanto mais que estou certo, se estivesse avisado para o que iria acontecer provavelmente não resistiria à curiosidade.

Não sei… pudor, vergonha, surpresa: ela não quis mostrar-me nada e o "meu corpo", que não eu, recusou-se a ver aquilo que a ele não lhe era destinado ver. Seria? ...

Há uma qualquer semelhança entre esta inocente e já longínqua história e as escutas.
Duas pessoas falam em privado sobre as suas vidas privadas e essa conversa, como a roupa debaixo da menina, na dança do rodopio, fica à mercê de quem a queira ler ou ouvir sem ter direito a tal, infringindo normas éticas e morais, as mesmas que, instintivamente me levaram a fechar os olhos para não ver as cuecas da minha colega.
Será assim? -
- Não tenho dúvidas de que é.

Mas se o assunto das conversas não for privado? Se ele tiver a ver com aspectos da nossa vida colectiva que pôem em causa direitos consagrados na nossa sociedade como a segurança, a liberdade, o estado de direito em suma?

- As escutas telefónicas, as máquinas de filmar ou de captação de sons, ocultas ou não, são hoje meios legais postos à disposição das polícias para o combate ao crime organizado e altamente sofisticado.

O Estado tem a obrigação de defender os cidadãos contra toda a espécie de crimes e a utilização desses meios de escuta nos termos previstos na lei é muito importante, necessário, indispensável como uma das formas de investigação.

Mas o que se está agora a passar é um pouco diferente ou está para além disto, porque aquilo que deveria ser um instrumento de investigação transformou-se em fonte de informação para jornais, ou certos jornais, constituindo-se rapidamente em matéria de condenação e devassa da vida das pessoas escutadas.
As escutas, mesmo quando são sobre assuntos de índole ilícito ou criminal, fazem parte de processos de investigação, dirigem-se aos ouvidos de polícias e juizes, são peças de processos judiciais e não material para vender jornais.

Quando estas escutas e a divulgação pública das mesmas atinge o 1º Ministro, a pessoa a quem estamos confiados em termos de governação, o mais directo e importante responsável no que em tudo diz respeito às nossas vidas, então, é a perplexidade … é o fim.

A lei dispõe, nestes casos, que quando o 1º Ministro é apanhado casualmente em escutas que a ele não são directamente dirigidas, essas escutas são suspensas e a decisão passe para os órgãos máximos da Justiça, Procuradores Gerais da Justiça e da República.

Isso aconteceu numa fase já adiantada porque os Juízes do Processo em Aveiro já tinham mandado tirar Certidões (abusivamente) dessas escutas por considerarem poder haver aí factos, motivos, que punham em causa a segurança do Estado.

Os Procuradores Gerais da Justiça e da República entenderam de maneira diferente e mandaram destruir as escutas, e agora, para culminar esta trapalhada, algumas delas aparecem, surpreendentemente, transcritas nos jornais, dando a entender ao vulgar cidadão que as leia que o chefe do governo se fez rodear de uma série de amigos colocados em lugares chaves de empresas poderosas, Conselhos de Administração, ganhando fortunas por mês, e com capacidade para influenciarem, distorcerem, alterarem de forma obscura, o destino de outras empresas e de outras pessoas de forma servirem, fraudulentamente, os interesses do 1º Ministro.

A nossa vida política parece estar ferida, os cidadãos interrogam-se interiormente, as dúvidas assaltam-nos, a confiança perde-se.

Entretanto, do ponto de vista financeiro, adensam-se as “nuvens” no exterior, o dinheiro de que os nossos bancos necessitam e vão buscar lá fora é cada vez mais caro e, por via disso, tudo será também mais caro para nós, e isto tem um limite que deixa de ser compatível com os nossos actuais padrões de vida.

Penso na nossa classe política de uma maneira preocupada pois o espaço para as disputas e lutas partidárias a que todos os dias continuamos a assistir está a ficar cada vez mais pequeno.
As grandes e difíceis decisões, as que têm custos sociais inevitáveis, estão próximas e exigem uma pausa nessas “guerrinhas”. Os Sindicatos e as Corporações vão ser chamadas a intervir e seria muito bom que entre nós, portugueses, por nós próprios, da nossa propria iniciativa, conseguíssemos equilibrar o nosso "barco" para que não passássemos pela vergonha de serem outros a fazê-lo.

Site Meter