sexta-feira, fevereiro 05, 2010




DONA

FLOR

E SEUS
DOIS


MARIDOS


EPISÓDIO Nº 37


Depois, Rita de Chimbo foi vista à meia-noite, na sacada da Intendência, bêbada de cair, a saudar a cidade com sua inesgotável colecção de nomes sujos. Circulavam notícias espantosas: o velho Abraão, comerciante e avô, arrastava-se ridículo aos pés de Zuleika Marron, dilapidando o património dos netos em bacanais com a barregã. Bereco, rapaz até então direito e casto, funcionário dos Correios, Presidente das Obras Pias, apaixonara-se por Amália Fuentes, descobrira suas raízes de pureza e religiosidade, oferecia-lhe aliança de noivado, levando sua preconceituosa família ao desespero. Culminou o escândalo quando a Calhudinha fez-se a bem amada de todos os colegiais, seu sonho e sua rainha, sua bandeira de luta e seu ideal. Lá ia ela toda loira nas noites de Belmonte, cercada de meninos e o poeta Sosígenes Costa dedicava-lhe sonetos. Oh!, ignomínia!

Até o xibungo do vigário, padre arrogante de fala esganiçada, pregara contra Chimbo, catilinária veemente contra a sua escandalosa incontinência. Classificara as dilectas raparigas de “lixo do meretrício metropolitano, de asseclas do demónio”, coitadinhas das meninas! Sermão incendiário, a Igreja repleta na missa dominical, e o reverendo a acusar Chimbo de estar a transformar a pacata Belmonte em Sodoma e Gomorra, os lares arruinados, desfeitas as famílias, urbe infeliz ,à qual acontecera a desgraça de tão depravado Intendente, “esse Nero em ceroulas”. Chimbo possuía senso de humor e riu da virulência do padre. Choraram as raparigas, Rita de Chimbo clamou vingança, e Miguel Turco, árabe exaltado e secretário da Intendência, incondicional dos Guimarães e chaleira notório, propôs-se executá-la: mandariam dois cabras de confiança ensinar boas maneiras ao subversivo vigário, chegando-lhe a batina ao corpo.

Chimbo enxugou as lágrimas de Rita, agradeceu a dedicação do sírio, gratificou os dois capangas, dois criminosos de morte, foragidos de Ilhéus.

Sob aparente nonchalança, era Chimbo homem prudente e hábil, não lhe faltava treita política. Imagine-se a reacção do velho senador se ele entrasse em guerra com a Igreja, surrando-lhe um cura para desagravar mulheres-dama! Ao demais, o padre tinha suas razões para tamanha birra. Ao tratá-lo de Nero em ceroulas queria referir-se à noite em que, trajando apenas listadas cuecas, tivera o ilustre Intendente de assim atravessar a cidade pois o vigário vinha de surpreendê-lo em avançado idílio com a cândida Maricota, estimável doméstica a assegurar os serviços de cama e mesa do sacerdote, sua ovelha favorita.

Não restou a Chimbo outro caminho senão reunir as ofendidas hóspedes, dar o braço a Rita de Chimbo, e embarcar com elas num navio da Bahiana.

Renunciou assim ao cargo, às honrarias, e à polpuda comissão de jogo do bicho. Órfão ficou Belmonte de sua capacidade administrativa e da ilhaneza das beldades da capital. Da eficiente administração de Chimbo davam testemunho a restaurada ponte de desembarque, a ampliação do grupo escolar e os consertos no muro do cemitério; das raparigas, a fugidia visão continuou por muito tempo a perturbar o sono de Belmonte.

Recolheu-se Chimbo ao anonimato do rendoso lugar de serventuário da justiça, onde ninguém lhe vigiava os passos. Reintegrou-se na vida nocturna, do Tabaris (onde Rita de Chimbo voltara a reinar) ao Palace, do Abaixadinho, à casa de Três Duques, da castelo de Carla ao de Helena Beija Flor. Da festa da noite e do cargo polpudo e anódino – escrivão de casamentos, juramentado – retirava-o de quando em quando o pai senador para usá-lo em suas manobras políticas, entregando-lhe posições e honrarias por outros ambicionadas, não por ele, Chimbo,
desejoso apenas de viver livre, à la vontê.

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