segunda-feira, fevereiro 15, 2010

DONA

FLOR

E SEUS

DOIS

MARIDOS


EPISÓDIO Nº 45



Mirandão aconselhava Vadinho a não se amofinar: há gente assim, amigada com o caiporismo, não adianta se querer acudir. Ao demais, a preocupação tira o apetite, e o sarapatel de Andreza era um monumento, louvado até pelo doutor Godofredo Filho, com toda a sua autoridade.

No dia seguinte, Vadinho trataria do embeleço. Afinal a maçante já esperara tanto, não era um dia a mais ou a menos que a levaria ao suicídio. Quanto ao sarapatel da sua comadre Andreza, como foi mesmo a frase; a frase, não, o verso de mestre Godofredo?

E quem encontraram à mesa da filha-de-santo senão o próprio poeta Godofredo, a fazer honra à comida de Andreza, sem regatear elogios ao tempero e à cozinheira, pedaço real de negra, palmeira imperial, brisa matutina, proa de barco. Andreza sorria com toda sua prosápia e realeza, machucava pimentas para molho.

- E olhe quem está aí! – saudou Mirandão – Meu imortal, meu mestre, considere-me de joelhos ante sua intelectualidade.

- De joelhos estamos todos diante deste sarapatel divino – riu o poeta, apertando as mãos aos dois rapazes.

Sentaram-se e Andreza logo constatou a face preocupada de Vadinho. Ele sempre tão alegre e pícaro, cheio de astúcia e trêfego, que lhe acontecera para assim sombrear o rosto melancólico? Conte, meu santo, lave a alma, bote os dissabores para fora. Andreza, de amarelo, colares nos braços e no pescoço, era a própria Oxum se desfazendo em dengue e formosura.

Conte, meu branco, não fique jururu, sua negra está aqui para lhe ouvir e consolar.

Na mesa, a toalha cheirando a patchuli, o chão perfumado de folhas de pitanga, entre o sarapatel e a pura cachaça de Santo Amaro. Vadinho desfiou o rosário de desditas da professora primária, uma infeliz. Sentada à cabeceira, a negra Andreza sentia-se comovida com o relato, apertava com a mão o seio arfante – coitadinha da moça com seu aleijão e sua fome com seu desejo de trabalhar e sem emprego! Será que Godo, cujo nome saía nas gazetas, ele próprio alto funcionário, não podia dar uma palavra, se mexer pela pobrezinha?

Tremiam os lábios de Andreza ao suplicar, Vadinho tinha razão, como sentir-se alegre quando alguém sofria assim, tão dura vida? Por que quisera escutar esta feia história? Não poderia novamente sorrir enquanto não soubesse a moça nomeada. O poeta Godofredo prometeu interceder, quem sabe talvez obtivesse algo, quando ficara ela de voltar à Directoria? No dia seguinte… Não naquela mesma tarde, pois já era quase manhã, assim lhe ordenara Vadinho.

Pois que ela fosse, Godofredo ia ver… Não esclareceu ser parente próximo e amigo íntimo do Director de Educação, pedido seu era ordem executada. Não gostava o poeta de exibir-se, mesmo seus poemas só de raro em raro os publicava. Queria apenas devolver o sorriso de Andreza, sem seu sorriso era triste a noite e o mundo deserto e frio.

Assim, quando na tarde seguinte, Célia, pessimista porém persistente, arrastou sua perna capenga escada acima e penetrou na ante-sala do gabinete do Director de Educação, qual não foi sua surpresa ao ser saudada com ânsia e calor pelo secretário de Sua Excelência, antes seco e ríspido:

- Dona Célia, eu estava esperando pela senhora. Meus parabéns, sua nomeação já saiu, já foi assinada…

- Hein? – estremeceu a professorinha – o quê?

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