DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 46
Cada vez mais gentil, o secretário tornou-se confidencial:
- O que lhe estou dizendo… A primeira coisa que o Director fez ao chegar…
Alguém muito elevado deu ordens, certamente. Foi uma das últimas vagas e estavam todas reservadas… Quer um conselho? Vá logo se apresentar, não perca tempo.
Apresentou-se, tomou posse, reuniu a magra família e foi ao primeiro andar do Alvo agradecer. “Alguém muito elevado”, contou; e dona Rozilda repetia as palavras rolando-as na língua, saborosas, enchia a boca com elas, tinham um gosto de poder. Vibrava de contentamento: não esperara nomeação tão rápida, resultado tão fulminante. Com aquela urgência, tão depressa, só mesmo ordens directas do Governador. Do Governador, minha filha, e não de outro. Vadinho mandava e desmandava no governo.
A notícia fez seu curso na ladeira e quando Vadinho apareceu à noite, na esperança de ficar a sós, com Flor, no escuro da escada, foi saudado pela vizinhança numa quase manifestação de apreço. Surpreendeu-se com os agradecimentos, abraços e louvores, dona Rozilda num exagero histérico. O rapaz passara o dia dormindo e quase esquecera as desventuras da inexequível candidata. “Oh!, disse, não é nada, nada me devem, por favor!”
O poeta cumprira a promessa, feita mais a Andreza do que a ele, Vadinho. Mas, como explicar a verdade, desfazer o enredo? Jamais dona Rozilda e seus vizinhos, jamais a amarga professora e sua gente mirrada e encardida, cor de sujo, ali junta para lhe agradecer, jamais compreenderiam os intricados caminhos por onde o mundo e os homens andam, jamais acreditariam dever Célia sua nomeação a uma negra cozinheira, muito mais pobre do que ela, alegre num casebre de madeira na fímbria do mar de Água de Meninos a fornecer almoços a saveiristas e a carregadores, a negra Andreza de Oxum.
A fama correu e os pedidos choveram. Implorando nomeação de professora primária somaram-se oito em menos de uma semana. De motorneiro de bonde a fiscal de rendas não houve cargo sem candidato a adular dona Rozilda, sem bater palmas na porta do sobrado na Ladeira do Alvo.
Até o emprego do sacristão na Igreja da Conceição da Praia, a vagar segundo constava mas ainda não era certo, até esse lhe vieram pedir. Nem se Vadinho fosse ao mesmo tempo Governador e
Arcebispo, nem assim daria abasto.
Cada vez mais gentil, o secretário tornou-se confidencial:
- O que lhe estou dizendo… A primeira coisa que o Director fez ao chegar…
Alguém muito elevado deu ordens, certamente. Foi uma das últimas vagas e estavam todas reservadas… Quer um conselho? Vá logo se apresentar, não perca tempo.
Apresentou-se, tomou posse, reuniu a magra família e foi ao primeiro andar do Alvo agradecer. “Alguém muito elevado”, contou; e dona Rozilda repetia as palavras rolando-as na língua, saborosas, enchia a boca com elas, tinham um gosto de poder. Vibrava de contentamento: não esperara nomeação tão rápida, resultado tão fulminante. Com aquela urgência, tão depressa, só mesmo ordens directas do Governador. Do Governador, minha filha, e não de outro. Vadinho mandava e desmandava no governo.
A notícia fez seu curso na ladeira e quando Vadinho apareceu à noite, na esperança de ficar a sós, com Flor, no escuro da escada, foi saudado pela vizinhança numa quase manifestação de apreço. Surpreendeu-se com os agradecimentos, abraços e louvores, dona Rozilda num exagero histérico. O rapaz passara o dia dormindo e quase esquecera as desventuras da inexequível candidata. “Oh!, disse, não é nada, nada me devem, por favor!”
O poeta cumprira a promessa, feita mais a Andreza do que a ele, Vadinho. Mas, como explicar a verdade, desfazer o enredo? Jamais dona Rozilda e seus vizinhos, jamais a amarga professora e sua gente mirrada e encardida, cor de sujo, ali junta para lhe agradecer, jamais compreenderiam os intricados caminhos por onde o mundo e os homens andam, jamais acreditariam dever Célia sua nomeação a uma negra cozinheira, muito mais pobre do que ela, alegre num casebre de madeira na fímbria do mar de Água de Meninos a fornecer almoços a saveiristas e a carregadores, a negra Andreza de Oxum.
A fama correu e os pedidos choveram. Implorando nomeação de professora primária somaram-se oito em menos de uma semana. De motorneiro de bonde a fiscal de rendas não houve cargo sem candidato a adular dona Rozilda, sem bater palmas na porta do sobrado na Ladeira do Alvo.
Até o emprego do sacristão na Igreja da Conceição da Praia, a vagar segundo constava mas ainda não era certo, até esse lhe vieram pedir. Nem se Vadinho fosse ao mesmo tempo Governador e
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