sexta-feira, fevereiro 19, 2010


DONA FLOR


E SEUS DOIS


MARIDOS



EPISÓDIO Nº 49





Dona Rozilda reagia brava em tom de briga:

- Não sei que diabo você e seu marido têm contra Vadinho… Só porque o rapaz é rico e ocupa posição de destaque, é um zunzunzum contra ele, não sei por que vocês tomaram esse abuso dele… Com a porcaria desse pobretão metido a pintor vocês ficaram influídos até demais, se dependesse de vocês faziam o casamento na hora, como se eu fosse dar a minha filha a esse vira bosta.

Com Vadinho vocês só pensam maldade. Não vejo nada de mais que ele namore com Flor, ela já está em tempo de casar e quando o Senhor do Bonfim, ouvindo as minhas preces, envia um partido como esse, você e Porto fazem uma zoada medonha, a achar isso e aquilo… Me deixe, mulher, se assunte…

- Eu não acho nada, minha santa, se assunte você. Estava só falando…

Porque você é toda cheia de melindres, toda não-me-toques. Basta ver qualquer moça passeando sozinha com um rapaz e logo diz que é uma perdida…

E agora mudou da água para o fogo, largou menina de mão…

- Tu acha ela uma perdida? É isso que tu acha? Diga logo…

- Se assunte, Rozilda, você sabe que eu não sou disso…

Dona Rozilda encerrava a discussão:

- Eu sei o que estou fazendo, a filha é minha e, assim Deus me ajude, ainda este ano eles se casam…

- Possa ser, queira Deus…

- Possa ser? Vai ser e com certeza… Não me venha com cantiga de sotaque, vocês têm é má vontade com Vadinho…

Não, ninguém demonstrava má vontade com Vadinho, ele a todos seduziu com sua lábia e sua fantasia, primeiro aos conhecidos do Rio Vermelho, depois aos da Ladeira do Alvo, dona Lita e Porto já lhe haviam tomado amizade e bem o desejavam para marido de Flor. Quanto a dona Rozilda, parecia viver exclusivamente para satisfazer-lhe as vontades, adivinhar-lhe os caprichos.

Capricho mesmo, ele tinha apenas um: estar a sós com Flor, tomá-la nos braços, vencer-lhe a resistência e pudicícia, ir-se apossando dela pouco a pouco, a cada encontro. Amarrando-a nas cordas do desejo mas amarrando-se ele também, preso a esses olhos de azeite e espanto, a esse corpo fremente e arisco, ávido de vontade, contido de pudor. Preso sobretudo à mansidão de Flor, à atmosfera doméstica, ao ambiente de lar próprio de graça da moça, de sua quieta beleza, atmosfera a exercer poderoso fascínio sobre Vadinho.

Jamais vivera ele vida de família, não chegara a conhecer a mãe morta de parto, e o pai cedo desaparecera da sua existência. Produto de ocasional ligação entre o primogénito de pequenos burgueses remediados e a copeira da casa, dele ocupara-se o pai, o tal parente longe dos Guimarães, enquanto solteiro. Mas, ao fazer um casamento afortunado, tratou de livrar-se do bastardo a quem sua esposa, devota ignorante, consagrava um santo horror – “filho do pecado!” Internou-o num colégio de padres onde, aos trancos e barrancos, Vadinho chegou ao último ano do curso secundário, não o tendo concluído por haver-se apaixonado, num domingo de visitas, pela mãe de um colega, distinta quarentona, mulher de comerciante da Cidade Baixa, considerada naquele tempo a mais fácil puta da alta sociedade da capital – paixão devoradora e
correspondida.

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