DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Paixão romântica, também. A preclara punha-lhe olhos langorosos, suspirava, Vadinho a rondá-la no pátio das visitas do colégio, triste como uma prisão, lúgubre prisão de meninos. Ela lhe dava chocolates e biscoitos do embrulho trazido para o filho. Vadinho ofertou-lhe uma orquídea às escondidas, roubada à estufa do jardim dos padres. Num dia de saída (o primeiro domingo do mês e Vadinho jamais saía, ninguém o vinha buscar, não tinha para onde ir) ela levou-o a almoçar a sua casa, palacete no Largo da Graça, apresentando-o ao marido:
- Colega de Zezito, órgão, não tem família…
Zezito era meio debilóide, criava preás e nos domingos de saída todo seu tempo era pouco para atender, no porão da casa, aos pequenos roedores.
O comerciante a roncar a sesta, Vadinho viu-se arrastado a um quarto de costura, envolto em beijos e carinhos, possuído. “Meu menino, meu colegial, meu aluno, sou tua professora, ai meu donzelo” e, consciente da sua condição de mestra, ela lhe ensinava – e como ensinava! Cresceu a paixão, insaciável e brutal. Ela desfeita em ais e juras – nunca amara ninguém, repetia-lhe cínica e tranquila. Vadinho era seu primeiro amante, e nada no mundo almejava senão partir com ele para viverem os dois aquele grande amor, ocultos num recanto qualquer. Pena estar ele interno num colégio…
- Se eu saísse do colégio você vinha mesmo viver comigo?
Fugiu do colégio, apareceu no princípio da noite para buscá-la, para libertá-la do “bestial burguês” que tanto a fazia sofrer e humilhava possuindo-a.
Obtivera mísero quarto numa pensão de última ordem, comprara pão, mortadela (adorava mortadela), uma zurrapa vendida como vinho e um buquê de flores. Ainda lhe sobraram alguns mil-réis, os colegas mais íntimos, a par do caso e solidários, haviam-se reunido para financiar-lhe a fuga e o amor. Para eles Vadinho era um retado. (esta expressão tem duplo significado na Bahia: pessoa boa, legal ou então, ligado ao verbo estar – está retado, significa estar irado, bravo).
A prezada senhora quase morre de susto quando ele lhe invadiu o lar onde o marido na outra sala palitava os dentes e lia os jornais. Vadinho endoidara com certeza – disse ela indignada. Não era uma aventureira para largar casa, esposo e filho, seu conforto e seu conceito na sociedade, para ir viver amásia de uma criança, na miséria e na desonra. Vadinho não tinha juízo, voltasse para o colégio, talvez nem houvessem dado conta de sua escapadela, e no próximo domingo de visitas, ah!, ela lhe prometia…
Não quis Vadinho ouvir a promessa, estava possesso de ira e de vexame, fora ludibriado. Sem levar em conta a proximidade dos cornos do comerciante, agarrou a madame pelos cabelos longos e oxigenados, aplicou-lhe uns tabefes na cara, gritou-lhe nomes, num esbregue de tamanhas proporções a ponto de reunir, em animada assistência, não apenas o esposo e os criados, mas também os vizinhos do elegante Largo da Graça.
Segundo o testemunho ulterior de Vadinho, naquele dia se fizera homem, e homem para sempre escarmentado.
Pela mão desse escândalo penetrou Vadinho na vida nocturna da cidade, rapazola de dezassete anos, ao qual se afeiçoara Anacreon, batoteiro afamado, carteador de fino estilo. Ninguém melhor para revelar ao moço inexperiente as subtilezas e as finuras da ronda, do vinte-e-um, do bacará, do póquer, para introduzi-lo na dialética das mesas de roleta e na mística dos dados, pois Anacreon não era apenas competente, era também um coração leal, de frente para a vida, um tanto quixotesco.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 50
Paixão romântica, também. A preclara punha-lhe olhos langorosos, suspirava, Vadinho a rondá-la no pátio das visitas do colégio, triste como uma prisão, lúgubre prisão de meninos. Ela lhe dava chocolates e biscoitos do embrulho trazido para o filho. Vadinho ofertou-lhe uma orquídea às escondidas, roubada à estufa do jardim dos padres. Num dia de saída (o primeiro domingo do mês e Vadinho jamais saía, ninguém o vinha buscar, não tinha para onde ir) ela levou-o a almoçar a sua casa, palacete no Largo da Graça, apresentando-o ao marido:
- Colega de Zezito, órgão, não tem família…
Zezito era meio debilóide, criava preás e nos domingos de saída todo seu tempo era pouco para atender, no porão da casa, aos pequenos roedores.
O comerciante a roncar a sesta, Vadinho viu-se arrastado a um quarto de costura, envolto em beijos e carinhos, possuído. “Meu menino, meu colegial, meu aluno, sou tua professora, ai meu donzelo” e, consciente da sua condição de mestra, ela lhe ensinava – e como ensinava! Cresceu a paixão, insaciável e brutal. Ela desfeita em ais e juras – nunca amara ninguém, repetia-lhe cínica e tranquila. Vadinho era seu primeiro amante, e nada no mundo almejava senão partir com ele para viverem os dois aquele grande amor, ocultos num recanto qualquer. Pena estar ele interno num colégio…
- Se eu saísse do colégio você vinha mesmo viver comigo?
Fugiu do colégio, apareceu no princípio da noite para buscá-la, para libertá-la do “bestial burguês” que tanto a fazia sofrer e humilhava possuindo-a.
Obtivera mísero quarto numa pensão de última ordem, comprara pão, mortadela (adorava mortadela), uma zurrapa vendida como vinho e um buquê de flores. Ainda lhe sobraram alguns mil-réis, os colegas mais íntimos, a par do caso e solidários, haviam-se reunido para financiar-lhe a fuga e o amor. Para eles Vadinho era um retado. (esta expressão tem duplo significado na Bahia: pessoa boa, legal ou então, ligado ao verbo estar – está retado, significa estar irado, bravo).
A prezada senhora quase morre de susto quando ele lhe invadiu o lar onde o marido na outra sala palitava os dentes e lia os jornais. Vadinho endoidara com certeza – disse ela indignada. Não era uma aventureira para largar casa, esposo e filho, seu conforto e seu conceito na sociedade, para ir viver amásia de uma criança, na miséria e na desonra. Vadinho não tinha juízo, voltasse para o colégio, talvez nem houvessem dado conta de sua escapadela, e no próximo domingo de visitas, ah!, ela lhe prometia…
Não quis Vadinho ouvir a promessa, estava possesso de ira e de vexame, fora ludibriado. Sem levar em conta a proximidade dos cornos do comerciante, agarrou a madame pelos cabelos longos e oxigenados, aplicou-lhe uns tabefes na cara, gritou-lhe nomes, num esbregue de tamanhas proporções a ponto de reunir, em animada assistência, não apenas o esposo e os criados, mas também os vizinhos do elegante Largo da Graça.
Segundo o testemunho ulterior de Vadinho, naquele dia se fizera homem, e homem para sempre escarmentado.
Pela mão desse escândalo penetrou Vadinho na vida nocturna da cidade, rapazola de dezassete anos, ao qual se afeiçoara Anacreon, batoteiro afamado, carteador de fino estilo. Ninguém melhor para revelar ao moço inexperiente as subtilezas e as finuras da ronda, do vinte-e-um, do bacará, do póquer, para introduzi-lo na dialética das mesas de roleta e na mística dos dados, pois Anacreon não era apenas competente, era também um coração leal, de frente para a vida, um tanto quixotesco.
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