DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Guerra, sim; que outro nome, que outra designação usar? E guerra sem misericórdia – a guerra entre dona Rozilda e flor teve começo ali mesmo, naquela mesma hora. Ao ruído da porta batendo na cara de Célia, dona Rozilda recolheu seus melindres, desistiu do desmaio, clamou pela professora, queria continuar a conversa sobre Vadinho, remexendo na ferida:
- Célia! Célia! Não vá s’embora…
Flor disse, a voz pesada:
- Botei ela pra fora…
- Ela veio fazer um favor e você enxota ela, em vez de agradecer.
- Essa fuxiqueira nunca mais põe os pés aqui.
- Desde quando você manda nesta casa?
- Se ela entrar, eu saio…
Mirandão acertara ao descrever o baixo crédito de Vadinho junto a dona Rozilda. Errou, porém, por completo, quanto à reacção de Flor. Não ficara contente, é claro, tivera um desaponto: Vadinho mais sem jeito, para que essas mentiras? Em nenhum momento, entretanto, pensou romper com ele, em terminar o namoro. Amava-o, pouco lhe importando o seu ofício ou emprego, sua posição na sociedade, sua importância na política.
Assim lhe disse quando, naquela noite, num desafio imprudente às ordens de dona Rozilda, foi conversar com o namorado numa esquina próxima.
Ouviu e aceitou as suas explicações, derramou algumas lágrimas a chamá-lo de “maluco sem juízo, meu doido lindo”.
Pela primeira vez Vadinho lhe falou de amor, de como esfomeado e sequioso a queria e desejava – e para esposa a queria e desejava. E isso para Flor valeu todo o aborrecimento, a mágoa dele lhe ter mentido e enrolado sem necessidade.
Teriam que esperar com paciência disse-lhe Flor. Pelo menos os dez meses que lhe faltavam para os seus vinte e um anos; era ainda menor, sob o mando materno, e nem pensasse Vadinho em obter o impossível consentimento de dona Rozilda. Nunca vira a mãe tão exaltada e em fúria. Mesmo os encontros não iam ser fáceis, tinham de estudar a melhor maneira de se avistarem sem que a velha suspeitasse. O namoro – aquele namoro com tantas facilidades, tão bem aceite e apadrinhado por dona Rozilda – passara aos subterrâneos da ilegalidade, estava proibido em definitivo, a cotação de Vadinho na Ladeira do Alvo não valia a poeira da rua. Vadinho enxugou-lhe as lágrimas com beijos, ali mesmo na esquina, sem ligar aos passantes.
Bufando, dona Rozilda a aguardava de faca na mão, pedaço de couro cru para exemplar animais e filhos desobedientes. Não era usada há muito, quem dela fizera gasto fora Heitor, relapso estudante. Rosália levara suas tacadas, Flor algumas surras quando menina. Suspensa na parede da sala de jantar, a primitiva chibata agora valia apenas como símbolo cruel da autoridade materna, caída em desuso. Quando Flor transpôs a porta, dona Rozilda ergueu a taça, a primeira chicotada atingiu no colo e no pescoço deixando-lhe um lenho vermelho, marca de guerra a perdurar por mais de uma semana.
Apanhou sem chorar, defendendo o rosto com as mãos, reafirmando seu amor. “Comigo viva não casa com ele”rugia dona Rozilda.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 54
Guerra, sim; que outro nome, que outra designação usar? E guerra sem misericórdia – a guerra entre dona Rozilda e flor teve começo ali mesmo, naquela mesma hora. Ao ruído da porta batendo na cara de Célia, dona Rozilda recolheu seus melindres, desistiu do desmaio, clamou pela professora, queria continuar a conversa sobre Vadinho, remexendo na ferida:
- Célia! Célia! Não vá s’embora…
Flor disse, a voz pesada:
- Botei ela pra fora…
- Ela veio fazer um favor e você enxota ela, em vez de agradecer.
- Essa fuxiqueira nunca mais põe os pés aqui.
- Desde quando você manda nesta casa?
- Se ela entrar, eu saio…
Mirandão acertara ao descrever o baixo crédito de Vadinho junto a dona Rozilda. Errou, porém, por completo, quanto à reacção de Flor. Não ficara contente, é claro, tivera um desaponto: Vadinho mais sem jeito, para que essas mentiras? Em nenhum momento, entretanto, pensou romper com ele, em terminar o namoro. Amava-o, pouco lhe importando o seu ofício ou emprego, sua posição na sociedade, sua importância na política.
Assim lhe disse quando, naquela noite, num desafio imprudente às ordens de dona Rozilda, foi conversar com o namorado numa esquina próxima.
Ouviu e aceitou as suas explicações, derramou algumas lágrimas a chamá-lo de “maluco sem juízo, meu doido lindo”.
Pela primeira vez Vadinho lhe falou de amor, de como esfomeado e sequioso a queria e desejava – e para esposa a queria e desejava. E isso para Flor valeu todo o aborrecimento, a mágoa dele lhe ter mentido e enrolado sem necessidade.
Teriam que esperar com paciência disse-lhe Flor. Pelo menos os dez meses que lhe faltavam para os seus vinte e um anos; era ainda menor, sob o mando materno, e nem pensasse Vadinho em obter o impossível consentimento de dona Rozilda. Nunca vira a mãe tão exaltada e em fúria. Mesmo os encontros não iam ser fáceis, tinham de estudar a melhor maneira de se avistarem sem que a velha suspeitasse. O namoro – aquele namoro com tantas facilidades, tão bem aceite e apadrinhado por dona Rozilda – passara aos subterrâneos da ilegalidade, estava proibido em definitivo, a cotação de Vadinho na Ladeira do Alvo não valia a poeira da rua. Vadinho enxugou-lhe as lágrimas com beijos, ali mesmo na esquina, sem ligar aos passantes.
Bufando, dona Rozilda a aguardava de faca na mão, pedaço de couro cru para exemplar animais e filhos desobedientes. Não era usada há muito, quem dela fizera gasto fora Heitor, relapso estudante. Rosália levara suas tacadas, Flor algumas surras quando menina. Suspensa na parede da sala de jantar, a primitiva chibata agora valia apenas como símbolo cruel da autoridade materna, caída em desuso. Quando Flor transpôs a porta, dona Rozilda ergueu a taça, a primeira chicotada atingiu no colo e no pescoço deixando-lhe um lenho vermelho, marca de guerra a perdurar por mais de uma semana.
Apanhou sem chorar, defendendo o rosto com as mãos, reafirmando seu amor. “Comigo viva não casa com ele”rugia dona Rozilda.
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