terça-feira, março 02, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 58



Referia-se ao passado de Porto, cuja mocidade decorrera no Rio de Janeiro, no meio teatral, com excursões pelo interior do país, varando cidades, cenarista e coreógrafo de mambembes, tendo sido também, por força das circunstâncias, actor e ponto, director e figurinista. Depois do casamento, assentara a cabeça, obtivera colocação na Bahia. De sua vida na ribalta restaram apenas um álbum de recortes e um punhado de anedotas. Não perdia ocasião de exibir o álbum e de contar as anedotas.

- E não deu certo? – reagia dona Lita, no fundo orgulhosa do passado boémio do marido. – Você sabe de casamento mais feliz? Ademais não tenho nenhuma vergonha do trabalho dele no teatro. Não estava roubando. Não estava roubando ninguém, nem enganando, nem deflorando donzelas…

- E como havia de deflorar, se era tudo meretrizes, tudo de fiofó arrombado. Onde ia ele arranjar donzelice para comer? Vontade não havia de lhe faltar, boa bisca ele não era…

Amigueira e bondosa, sob certos aspectos o contrário da irmã, dona Lita não suportava no entanto, insultos ao esposo e, se a esporeavam, subia-lhe o sangue às narinas:

- A senhora faça o favor de meter sua língua no rabo e não falar mal de meu marido, não vim aqui para ouvir desaforo seu…

Dona Rozilda obediente, enfiava língua no rabo, a resmungar desculpas. Dona Lita era a única pessoa no mundo por quem nutria estima e respeito, com ela jamais brigava.

- Vim aqui porque quero bem a Flor, como se ela fosse minha filha… Por que diabo não deixa você a menina casar, ela gosta do rapaz e ele está caído por ela. Porque ele não é um todo-poderoso como você meteu na cabeça?

- Não meti nada na cabeça, você está cansada de saber, eles abusaram de mim os miseráveis – A lembrança do monstruoso debique a enfurecia – E sabe de uma coisa? É melhor a gente dar essa conversa por finda. Com aquele traste ela não casa enquanto estiver sob minha guarda. Depois dos vinte e um anos, se ainda quiser, pode ir embora e se desgraçar. Antes eu não deixo e acabou-se.

- Tu está procurando sarna para se coçar… Tu vai ver…

E assim era, após o fracasso dessa derradeira embaixatriz, Flor resolveu atender à voz da razão. Ou seja: aos cochichados argumentos de Vadinho a tentar convencê-la da única da única solução prática, viável, possível, e, ao mesmo tempo deliciosa, terna e doce prova de amor e confiança. Convencida, precipitou-se a atender: abriu as coxas e deixou que ele a comesse como há muito lhe pedia e suplicava. Para referir toda a verdade, sem escamotear detalhes (nem mesmo escamoteando-os na simpática intenção de manter íntegros aos olhos do público a inocência e o recato da nossa heroína, fazendo-a ingénua vítima de irresistível dom-juan), deve-se dizer que Flor estava doidinha para dar e dar-se, entregar-se por inteira, um fogo a queimar-lhe as entranhas e o pudor, desatinada labareda.

Um amigo endinheirado, Mário Portugal, solteiro e estroina naquele tempo, emprestou a Vadinho oculta casinhola para os lados de Itapoã. A viração desatava os cabelos lisos e negros de Flor, punha-lhe o sol azulados reflexos. No marulho das ondas e no embalo do vento, Vadinho arrancou-lhe a roupa, peça a peça, beijo a beijo. A lhe dizer, rindo, enquanto a despia e dela se apoderava:

- Não sei vadiar nem coberto de lençol quanto mais vestido com roupa. Tu tem vergonha de quê, meu bem? A gente não vai se casar, não é para isso mesmo? E mesmo que não fosse, a vadiação é coisa de Deus, foi ele que mandou que se vadiasse.

“Vão vadiar por aí, meus filhos, vão fazer neném” que ele disse e foi das
coisas mais direitas que ele fez.

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