sexta-feira, março 05, 2010



DONA

FLOR

E SEUS

DOIS

MARIDOS



EPISÓDIO Nº 61


Não assistiria nem daria o seu acordo ao casamento, conseguissem autorização com o juiz, se quisessem, revelando toda a bandalheira, exibindo a desonra da ingrata. Não contassem com ela para encobrir a patifaria, para tapar o rombo da descarada.

No dia seguinte viajou para Nazareth, onde o filho a recebeu sem entusiasmo. Ele próprio, Heitor, pensava em casar-se e só não o fizera ainda por não lhe permitir o ordenado.

Disposto a fazê-lo, no entanto, apenas fosse promovido e pudesse economizar alguns mil-réis. Já tinha noiva em vista: uma ex-aluna de Flor, aquela de olhos molhados, que atendia pelo nome de Celeste.



Indo correr no Sodré uma casa anunciada para alugar, Flor deparou com outra ex-aluna sua, dama de realce, esposa de comerciante da Cidade Baixa, dona Norma Sampaio, pessoa muito alegre e novidadeira, bonitona, de cuja bondade natural e generoso coração já se deu notícia anterior. Residia ela nas vizinhanças.

A casa estava na medida das necessidades de Flor, para morada e escola, sendo, ao demais, de aluguel relativamente barato. Pois então se considerasse desde logo inquilina, garantiu-lhe dona Norma; o proprietário do imóvel era seu conhecido, dar-lhe-ia a preferência, com certeza. Deixasse a seu cuidado, não precisava preocupar-se.

Foi dona Norma de muito conforto e consolo em todo aquele transe. Apoderou-se dos diversos problemas da moça e concorreu para a solução de todos eles, a todos deu jeito.

Para começar, levantou-lhe a moral abatida. De quanto se passara Flor lhe fez minucioso relato. Dona Norma saboreava os detalhes, não lhe viessem com a história contada às carreiras, pulando pedaços. Flor sofria com a impressão de que o mundo inteiro tivera conhecimento do seu mau passo (mau passo era a expressão usada por tia Lita, delicadamente), como se ela trouxesse o estigma da mentira estampado no rosto: mulher sem vergonha, conhecedora de homem e a bancar moça solteira.

- Ora, menina, deixe de ser tola… Quem é que sabe que você deu? Quatro ou cinco pessoas, meia-dúzia, se muito e acabou-se… Se você quiser pode até casar de véu e grinalda e quem é que vai reclamar? Sua mãe viajou; ela, sim, era capaz de vir fazer escândalo na porta da igreja…

Flor não podia ocultar a vergonha, agira mal, mas não tivera outro jeito. Para dona Norma todo aquele horror reduzia-se a nada:

- Isso de dar um pouquinho antes de casar sucede a três por dois e com gente muito boa, minha cara…

Desfiava vasto e curioso noticiário, consoladores exemplos. A filha do doutor Fulano, aquele da Faculdade, não dera a um amigo do noivo às vésperas do casamento, rompendo o compromisso, fugindo com o outro, casando com ele às pressas? E actualmente não era a nata da sociedade, com o nome nos jornais: “Dona fulana recebeu os amigos… etecétera e tal…? E aquela outra fulaninha, filha do Desembargador, não foi pegada dando ao noivo – essa pelo menos dava ao próprio noivo – por detrás do Farol da Barra? O guarda os surpreendeu em flagrante, só não levou os dois para a delegacia porque o diligente cavalheiro soltara gorjeta alta.. Mas exibira a meio mundo a calcinha da sapeca, aliás uma lindeza de rendas negras. Nem por isso, com todo esse desfile de roupa íntima, ela deixou de casar de véu e grinalda, um vestido por sinal

belíssimo, a fulana tinha gosto e dinheiro.

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