DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
E aquela outra sicrana – o pai um mata mouros que nem dona Rozilda, trazendo as filhas num cortado, esbregues medonhos, presas em casa – surpreendida em Ondina, nos matos, a dar a um homem casado, a um compadre de seus pais? Casara depois com um pobre diabo e agora dava quanto podia, “quanto mais melhor” era o seu lema; dava a solteiros e casados, a conhecidos e indiferentes, a ricos e pobres. “Muita gente, minha filha, só não dá antes de casar porque não sabe que é tão bom ou porque o noivo não pede. Afinal. Antes ou depois, que diferença faz?”
Não apenas minimizou sua falta, devolvendo-lhe o ânimo, como assistiu e dirigiu nas compras indispensáveis para tornar a casa habitável, móveis e utensílios. Inclusive a cama de ferro, com a cabeceira e os pés trabalhados, adquirida em segunda mão a Jorge Tarrapp, leiloeiro com loja de antiguidades e velharias à rua Rui Barbosa e, como não podia deixar de ser, amigo de dona Norma. Um bom sujeito, esse Jorge, sírio alto e vermelho, quase apopléctico; ao saber do próximo casamento de Flor, ofereceu-lhe de quebra e presente meia dúzia de cálices para licor. Dona Norma concorreu com um par de toalhas de banho e de rosto, toalhas alagoanas, de primeira. E lhe cedeu, pelo preço antigo de custo ou seja quase de graça, sensacional colcha de cetim azul-hortênsia com ramos de glicínias, estampados em lilás, um monumento de chique. Dona Norma a levara em seu pomposo enxoval, peça de resistência, presentão de uns tios residentes no Rio. Pois bem, o maníaco de Zé Sampaio tomara birra da colcha, segundo ele o lindo azul-hortênsia era um roxo funéreo e aquele trapo só servia para cobrir esquifes. Por causa da maldita colcha quase brigam na própria noite do casamento. Não fosse dona Norma estar morta de curiosidade pelo que se iria passar, e teria reagido aos resmungos e às más criações de Zé Sampaio. Não se conformara ele enquanto a coberta não foi guardada e para sempre. Nunca mais teve uso, nova em folha, na Rua Chile custava um dinheirão.
Por falar em colcha, a contribuição única de Vadinho para o enxoval constou de colorida colcha de retalhos. Obra colectiva das raparigas do castelo de Inácia, todas elas admiradoras do noivo, a começar pela nobre Inácia, mulata de cara pintada de bexiga, a mais jovem casteleira da Bahia, nem por isso menos experiente. De quando em quando Vadinho apontava em seu leito, nele em xodó se demorando dias e semanas.
Não lhe cabia culpa de comparecer com tão pequena quota no total desses intermináveis bastos onde as economias de Flor, economias de anos de trabalho, se consumiam rápidas. Muito desejara Vadinho arcar com todas as despesas ou com a maior parte, para tanto muito esforço despendera. Nunca os amigos o haviam visto assim nervoso e persistente nas mesas de roleta, mas o dezassete – seu número – andava escasso, era como se houvesse sido retirado da numeração. Tentou igualmente no grande e no pequeno, na ronda e no bacará; a sorte estava arredia contra ele, urucubaca das miúdas. Esforçou-se a ponto de já não ter a quem esfaquear, a quem pedir empréstimo, obrigado a recorrer à própria noiva, afanando-lhe uma pelega de cem.
-Não é possível que o azar continue hoje, meu bem. Vou amanhecer aqui com uma carroça de dinheiro, tu compra meia Bahia sem esquecer uma dúzia uma dúzia de garrafas de champanhe para o casório.
Não trouxe nem dinheiro nem champanhe, estava mesmo azarado, quando iria acabar a má sorte?
Assim, só houve champanhe no casamento civil, realizado em casa dos tios. Thales Porto abriu uma garrafa e o juiz brindou com os nubentes e a família.
Também o acto religioso foi simples e rápido, compareceram apenas algumas amigas íntimas de Flor e seu Antenor Lima, além de tia Lita e tio Porto (e dona Norma, é claro), Dona Maga Paternostro, a milionária, não pode vir mas mandou pela manhã uma bateria de cozinha, esse sim, um presente útil. Da parte de Vadinho, apenas o Director do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura – a quem o relapso funcionário, aproveitando o matrimónio como pretexto, esfaqueara, assim como os colegas – Mirandão e esposa, senhora magra e loira, avelhantada, e Chimbo.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 61
E aquela outra sicrana – o pai um mata mouros que nem dona Rozilda, trazendo as filhas num cortado, esbregues medonhos, presas em casa – surpreendida em Ondina, nos matos, a dar a um homem casado, a um compadre de seus pais? Casara depois com um pobre diabo e agora dava quanto podia, “quanto mais melhor” era o seu lema; dava a solteiros e casados, a conhecidos e indiferentes, a ricos e pobres. “Muita gente, minha filha, só não dá antes de casar porque não sabe que é tão bom ou porque o noivo não pede. Afinal. Antes ou depois, que diferença faz?”
Não apenas minimizou sua falta, devolvendo-lhe o ânimo, como assistiu e dirigiu nas compras indispensáveis para tornar a casa habitável, móveis e utensílios. Inclusive a cama de ferro, com a cabeceira e os pés trabalhados, adquirida em segunda mão a Jorge Tarrapp, leiloeiro com loja de antiguidades e velharias à rua Rui Barbosa e, como não podia deixar de ser, amigo de dona Norma. Um bom sujeito, esse Jorge, sírio alto e vermelho, quase apopléctico; ao saber do próximo casamento de Flor, ofereceu-lhe de quebra e presente meia dúzia de cálices para licor. Dona Norma concorreu com um par de toalhas de banho e de rosto, toalhas alagoanas, de primeira. E lhe cedeu, pelo preço antigo de custo ou seja quase de graça, sensacional colcha de cetim azul-hortênsia com ramos de glicínias, estampados em lilás, um monumento de chique. Dona Norma a levara em seu pomposo enxoval, peça de resistência, presentão de uns tios residentes no Rio. Pois bem, o maníaco de Zé Sampaio tomara birra da colcha, segundo ele o lindo azul-hortênsia era um roxo funéreo e aquele trapo só servia para cobrir esquifes. Por causa da maldita colcha quase brigam na própria noite do casamento. Não fosse dona Norma estar morta de curiosidade pelo que se iria passar, e teria reagido aos resmungos e às más criações de Zé Sampaio. Não se conformara ele enquanto a coberta não foi guardada e para sempre. Nunca mais teve uso, nova em folha, na Rua Chile custava um dinheirão.
Por falar em colcha, a contribuição única de Vadinho para o enxoval constou de colorida colcha de retalhos. Obra colectiva das raparigas do castelo de Inácia, todas elas admiradoras do noivo, a começar pela nobre Inácia, mulata de cara pintada de bexiga, a mais jovem casteleira da Bahia, nem por isso menos experiente. De quando em quando Vadinho apontava em seu leito, nele em xodó se demorando dias e semanas.
Não lhe cabia culpa de comparecer com tão pequena quota no total desses intermináveis bastos onde as economias de Flor, economias de anos de trabalho, se consumiam rápidas. Muito desejara Vadinho arcar com todas as despesas ou com a maior parte, para tanto muito esforço despendera. Nunca os amigos o haviam visto assim nervoso e persistente nas mesas de roleta, mas o dezassete – seu número – andava escasso, era como se houvesse sido retirado da numeração. Tentou igualmente no grande e no pequeno, na ronda e no bacará; a sorte estava arredia contra ele, urucubaca das miúdas. Esforçou-se a ponto de já não ter a quem esfaquear, a quem pedir empréstimo, obrigado a recorrer à própria noiva, afanando-lhe uma pelega de cem.
-Não é possível que o azar continue hoje, meu bem. Vou amanhecer aqui com uma carroça de dinheiro, tu compra meia Bahia sem esquecer uma dúzia uma dúzia de garrafas de champanhe para o casório.
Não trouxe nem dinheiro nem champanhe, estava mesmo azarado, quando iria acabar a má sorte?
Assim, só houve champanhe no casamento civil, realizado em casa dos tios. Thales Porto abriu uma garrafa e o juiz brindou com os nubentes e a família.
Também o acto religioso foi simples e rápido, compareceram apenas algumas amigas íntimas de Flor e seu Antenor Lima, além de tia Lita e tio Porto (e dona Norma, é claro), Dona Maga Paternostro, a milionária, não pode vir mas mandou pela manhã uma bateria de cozinha, esse sim, um presente útil. Da parte de Vadinho, apenas o Director do Departamento de Parques e Jardins da Prefeitura – a quem o relapso funcionário, aproveitando o matrimónio como pretexto, esfaqueara, assim como os colegas – Mirandão e esposa, senhora magra e loira, avelhantada, e Chimbo.
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