quinta-feira, março 25, 2010


DONA


FLOR


E SEUS


DOIS


MARIDOS


EPISÓDIO Nº 77



Novamente João Alves a mediu com os olhos e com certo desprezo ante ignorância tão grande:

- Pois em trabalho de meretriz, que é o ofício dela, dona moça.

Dona Norma retomou o fio da conversa:

- E meu compadre se dá com ela, sabe onde ela mora?

- Pois não havia de me dar, comadre? Mora aqui rente, no Maciel.

Meu compadre vai nos levar lá, minha amiga quer conversar com ela, resolver um assunto…

João Alves mais uma vez considerou longamente dona Flor, coçava a cabeça como se encontrasse tudo aquilo suspeito e duvidoso:

-Por que ela não vai sozinha comadre? Eu mostro a casa…

- Meu compadre, seja cavalheiro. Vai largar duas senhoras nessas ruas, desacompanhadas? Passa um abusado, se mete com a gente…

Ninguém apelava inutilmente para o cavalheirismo de João Alves:

- Pois vou com vosmicês mas lhe garanto que ninguém ia tirar graça, aqui é tudo gente respeitosa…

Levantou-se, entregou a cadeira de engraxate ao cuidado dos netos, era um negro esguio e sólido, passado dos cinquenta, a carapinha começando a embranquecer; trazia um colar de orixá ao pescoço, contas vermelhas e brancas de Xangô, e apenas os olhos estriados denotavam a intimidade da cachaça.

Ao pôr-se de pé quis saber:

- Minha comadre dona Norma e que assunto é esse que a mocinha aqui – dizia mocinha numa voz de debique – quer tratar com Dió?

- Nada de ruim para ela, meu compadre…

Mesmo porque, se fosse de malvadeza, com todo o respeito que lhe sou devedor eu não ia junto, comadre… Também não adiantava porque o santo dela é forte – tocava o chão com a ponta dos dedos, saudando o orixá: - Oké Aro Oxóssi! Não tem despacho nem ebó que faça mal a ela, o feitiço vira contra quem manda fazer…

- Quando é que me leva a uma macumba, meu compadre? Tenho uma vontade danada de assistir a um candomblé… - essa era outra curiosidade antiga de dona Norma.

Assim praticando sobre encantados e terreiros-de-santo entraram pelo meretrício adentro. Por ser manhã de domingo – a farra de sábado estendendo-se pela madrugada – quase não havia movimento nas ruas. Apenas uma ou outra mulher sentada à porta ou debruçada à janela, mais para ver o dia claro do que para fretar homem. Um silêncio e um sossego, poder-se-ia dizer uma paz dominical; dona Norma sentiu-se lograda, precisava vir em hora de azáfama. Nessa manhã sonolenta, não fazia diferença de um bairro familiar. Também a casa de Dionísia era logo no começo do Maciel, apenas haviam cruzado os limites da zona.

Subiram as escadas de vacilantes degraus, um rato enorme passou por elas no escuro, em
correria.

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