DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
- Não sou senhora nenhuma, sou mulher-da-vida e mais nada. Mas juro pela saúde de meu filho que não sabia que ele era casado. Se soubesse não ia ter filho dele, nem pensar em me amigar com ele, em deixar a vida e botar casa e morar com ele como marido e mulher…
Acabara de vestir o menino. Dona Norma recolhia a toalha, a atmosfera fizera-se menos densa. Dona Flor murmurou:
- Juro que Vadinho é meu marido, todo o mundo sabe…
- Vadinho nunca me disse nada… - Dió recebia a camisola das mãos de dona Norma, deitava a criança na cama para vesti-la – Porque ele não me disse? Por que me enganar assim? – ficou pensativa, agora a raiva havia desaparecido e ela dirigia-se a dona Flor com toda a cortesia, quase com respeito – todo o mundo sabe do casamento, foi o que a senhora me disse… Possa ser… Mas como ninguém nunca me falou? E eu que conheço a gente dele, toda até a mãe…
- A mãe de Vadinho? A mãe dele é morta…
- Conheço a mãe, sim e a avó… Conheço o irmão, Roque, um que é carpina de profissão…
- Então não é o meu Vadinho… - riu dona Flor e ria e ria apalermada de contentamento – Oh! que maluquice, que coisa mais tola e mais linda… Norminha é outro Vadinho! Tou com vontade de chorar…
Também Dionísia de Oxóssi largara o menino em cima da cama e saiu pelo quarto a dançar, dança de iawô em roda de orixá, arrastando o negro João Alves para com ela, ante o peji, saudar e agradecer a Oxóssi – Okê meu pai, aro ôkê!
- Não é o meu Vadinho, meu Vadinho não é casado, mulher para ele só Dionísia, sua mulata Dió…
De repente parou, olhando para dona Flor (dona Norma tomara do menino e o ninava em seus braços):
- Não me diga que a senhora é a mulher do xará…
- Que xará?
- Meu Vadinho e ele só se tratam assim, de xará, pois são Vadinho os dois. Só que o meu é Vadinho de Valdemar e o dele nem sei de que é… Um que é perdido pelo… - não completou a frase.
Quem a completou foi dona Flor:
- … pelo jogo… Pois é esse mesmo, Vadinho de Waldomiro, o meu Vadinho…
- E foram lhe dizer que eu tinha tido filho dele… Que gente mais ruim…
A porta foi aberta e nela apareceu um negro magriço e jovem, um riso de dentes brancos a lhe rasgar a boca, uns olhos de domingo:
- Para todo o mundo, bom-dia…
Ainda dançando veio a mulata Dionísia de Oxóssi e nele repousou de todo aquele susto, de toda aquela raiva. Estendeu os braços, dona Norma deu-lhe a criança e ela a colocou nas mãos de seu homem, do pai.
- Esse é o meu Vadinho, chofer de caminhão, pai de meu filho – Mostrava a dona Norma e a dona Flor: - Aquela ali é comadre de seu João e a outra tu sabe quem é?
- E como haverá de saber?
- Pois é a mulher do outro Vadinho, daquele…
- Do xará?
- Dele mesmo… Ela veio aqui pensando que o menino era dele, do marido dela, veio para buscar, queria criar o nosso bichinho, ia fazer dele padre de batina… - riu seu riso desatado, concluiu com a voz ainda mais descansada:: - Como é mesmo o seu nome? Flor? Pois vai ser minha comadre, vai baptizar meu menino… Veio buscar um filho, filho não posso dar que só tenho um mas posso dar-lhe um afilhado…
- Minha comadre dona Flor… - disse o chofer do caminhão.
Tomando do menino, Dionísia o entregou a dona Flor. Pássaros cortavam o céu, voando, iam pousar nos beirais do Arcebispado.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 82
- Não sou senhora nenhuma, sou mulher-da-vida e mais nada. Mas juro pela saúde de meu filho que não sabia que ele era casado. Se soubesse não ia ter filho dele, nem pensar em me amigar com ele, em deixar a vida e botar casa e morar com ele como marido e mulher…
Acabara de vestir o menino. Dona Norma recolhia a toalha, a atmosfera fizera-se menos densa. Dona Flor murmurou:
- Juro que Vadinho é meu marido, todo o mundo sabe…
- Vadinho nunca me disse nada… - Dió recebia a camisola das mãos de dona Norma, deitava a criança na cama para vesti-la – Porque ele não me disse? Por que me enganar assim? – ficou pensativa, agora a raiva havia desaparecido e ela dirigia-se a dona Flor com toda a cortesia, quase com respeito – todo o mundo sabe do casamento, foi o que a senhora me disse… Possa ser… Mas como ninguém nunca me falou? E eu que conheço a gente dele, toda até a mãe…
- A mãe de Vadinho? A mãe dele é morta…
- Conheço a mãe, sim e a avó… Conheço o irmão, Roque, um que é carpina de profissão…
- Então não é o meu Vadinho… - riu dona Flor e ria e ria apalermada de contentamento – Oh! que maluquice, que coisa mais tola e mais linda… Norminha é outro Vadinho! Tou com vontade de chorar…
Também Dionísia de Oxóssi largara o menino em cima da cama e saiu pelo quarto a dançar, dança de iawô em roda de orixá, arrastando o negro João Alves para com ela, ante o peji, saudar e agradecer a Oxóssi – Okê meu pai, aro ôkê!
- Não é o meu Vadinho, meu Vadinho não é casado, mulher para ele só Dionísia, sua mulata Dió…
De repente parou, olhando para dona Flor (dona Norma tomara do menino e o ninava em seus braços):
- Não me diga que a senhora é a mulher do xará…
- Que xará?
- Meu Vadinho e ele só se tratam assim, de xará, pois são Vadinho os dois. Só que o meu é Vadinho de Valdemar e o dele nem sei de que é… Um que é perdido pelo… - não completou a frase.
Quem a completou foi dona Flor:
- … pelo jogo… Pois é esse mesmo, Vadinho de Waldomiro, o meu Vadinho…
- E foram lhe dizer que eu tinha tido filho dele… Que gente mais ruim…
A porta foi aberta e nela apareceu um negro magriço e jovem, um riso de dentes brancos a lhe rasgar a boca, uns olhos de domingo:
- Para todo o mundo, bom-dia…
Ainda dançando veio a mulata Dionísia de Oxóssi e nele repousou de todo aquele susto, de toda aquela raiva. Estendeu os braços, dona Norma deu-lhe a criança e ela a colocou nas mãos de seu homem, do pai.
- Esse é o meu Vadinho, chofer de caminhão, pai de meu filho – Mostrava a dona Norma e a dona Flor: - Aquela ali é comadre de seu João e a outra tu sabe quem é?
- E como haverá de saber?
- Pois é a mulher do outro Vadinho, daquele…
- Do xará?
- Dele mesmo… Ela veio aqui pensando que o menino era dele, do marido dela, veio para buscar, queria criar o nosso bichinho, ia fazer dele padre de batina… - riu seu riso desatado, concluiu com a voz ainda mais descansada:: - Como é mesmo o seu nome? Flor? Pois vai ser minha comadre, vai baptizar meu menino… Veio buscar um filho, filho não posso dar que só tenho um mas posso dar-lhe um afilhado…
- Minha comadre dona Flor… - disse o chofer do caminhão.
Tomando do menino, Dionísia o entregou a dona Flor. Pássaros cortavam o céu, voando, iam pousar nos beirais do Arcebispado.
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