segunda-feira, abril 05, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 85



Numa única coisa estavam todas de acordo, de dona Rozilda a dona Norma, de dona Dinorá a dona Gisa, as verdadeiras amigas e as simples fuxiqueiras: dona Flor precisava esquecer, e quanto antes, aqueles anos desgraçados, precisava apagar a imagem de Vadinho de sua vida, como se ele nunca houvesse existido. Para elas o tempo de nojo estava durando demasiado, e por isso a cercavam para lhe provar – com factos – ter sido ela beneficiária da misericórdia divina.

A própria tia Lita, sempre disposta a desculpar Vadinho, não escondia no entanto sua surpresa:

- Nunca pensei que ela sentisse dessa forma.

Dona Norma também se admirava:

- Pelo jeito não vai esquecer nunca… Quanto mais o tempo passa, mais ela sofre…

Dona Gisa plantada em seus conhecimentos de psicologia, discordava das pessimistas:

- É natural… ainda vai durar uns dias mas depois termina, ela esquece, volta a viver…

- É isso, sim… - dona Dinorá era da mesma opinião – Com o tempo ela vai se dar conta que foi Deus quem olhou por ela…

Dividiam-se, porém, quanto à forma de melhor ajudá-la. Dona Norma forte do apoio a dona Gisa, propunha o silêncio em torno do nome de Vadinho. Ao demais, sob o comando férreo de dona Rozilda – e dona Dinorá era o sargento dessa aguerrida tropa – abriam a boca de intrigas, xingos e lamentos, para convencê-la de que por fim podia pensar em viver uma vida tranquila e feliz, de paz, conforto e segurança. De qualquer maneira, no silêncio da piedade ou no ruidoso libelo, ela devia encontrar os caminhos do esquecimento.
Era tão moça ainda, tinha a existência inteira à sua frente…

Se ela quiser não fica viúva por muito tempo… - profetizava dona Dinorá, que, em matéria de falar da vida alheia, possuía um sexto sentido, um dom divinatório, uma espécie de vidência. Aliás, em sua casa (herança de um comendador espanhol), de robe e em transe, dona Dinorá botava cartas e previa o futuro, consultando uma bola de cristal.

Por que, perguntava-se dona Flor, não vinha nenhuma delas recordar-lhe jamais um bem-feito de Vadinho? Afinal, em meio às incontáveis tratantices, vez por outra prevaleciam em seus actos a graça, a generosidade, o senso de justiça, o amor. Por que então só mediam Vadinho com o metro da ruindade, só o pesavam numa balança de maldições? Sempre fora assim, aliás. Quando ele era vivo, sucediam-se as xeretas, ávidas de transmitir notícias desagradáveis, de lastimar dona flor, coitada!: merecedora de marido direito e bom, capaz de oferecer-lhe trato e consideração. Nunca, porém, acontecera comadre às pressas, abandonando seus cómodos, seus quefazeres e seus lazeres, para vir, sôfrega e vibrante, lhe anunciar boa acção de Vadinho:

- Flor, repare, mas não diga que eu contei… Vadinho ganhou no bicho e deu dinheiro todo a Norma pra ela comprar um presente de aniversário para você… O aniversário ainda está longe, eu sei, mas ele teve medo de gastar o dinheiro, quis logo garantir o presente…

Assim sucedera certa ocasião, todas as comadres o sabiam e só dona Norma tinha o compromisso de guardar segredo. No entanto, não fosse ela romper a jura, incapaz de tão longa mudez, mais de
vinte dias, dona Flor nunca viria a tomar conhecimento do gesto.

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