DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Por azar, Vadinho encontrava-se escornado na sala quando o doutor Zitelmann Oliva se deu ao incómodo (ele tão ocupado com seus oito cargos todos de realce e importância) de vir pessoalmente a casa deles para pagar:
- estou com esse dinheiro no bolso há três dias… Lígia hoje só faltou me bater quando descobriu que eu ainda não tinha efectuado o pagamento…
- Ora, doutor não se preocupe… Que bobagem…
- Então seu Vadinho – pilheriava o figurão – o que é que você faz para sua mulher ficar cada vez mais moça e bonita? – conhecia dona Flor de menina e de há muito conhecia Vadinho que, de quando em quando, tentava mordê-lo (com poucos resultados, aliás, doutor Zitelman era duro na queda).
- Boa vida, doutor, a boa vida que ela leva. Casada com um marido como eu, que não dá dor de cabeça, não dá preocupações… vive a la godaça, descansada, feliz da vida… - ria seu riso despreocupado, tão contente! Dona Flor ria também de tamanho descaramento do marido.
Vadinho não lhe pedira dinheiro naquele dia. Com certeza ganhara na véspera, ainda tinha alguma reserva. Mas, quando ele apareceu de súbito na tarde seguinte, com aqueles olhos baixos, o rosto sério, quase triste, ela adivinhou de logo o motivo a trazê-lo: vinha pelo dinheiro. Enquanto as alunas sorviam o licor, saboreavam o bolo, álacres, com o olhares furtivos para o moço quieto, dona Flor, em silêncio, o coração sufocado, fez uma jura a si mesma, numa resolução terminante. Não lhe daria aquele dinheiro, nem todo nem uma pequena parcela, um real sequer. Destinava-o à compra de um novo aparelho de rádio. Ouvir rádio, eis o passatempo preferido de dona Flor, sua maior distracção: doida por sambas e canções, tangos e boleros, pelos programas cómicos, e, sobretudo, pelas novelas radiofónicas. Juntas, a ouvi-las, ela, dona Norma, dona Dinorá, e outras vizinhas, trémulas e vibrantes com o destino da condessa apaixonada pelo engenheiro pobre. Excepção. Só dona Gisa, num desprezo de erudita por tão baixa literatura.
O rádio, parte da sua bagagem de solteira, antiquado e gasto, só dava despesas, encrencando todos os dias, falhando nos momentos mais dramáticos, mudo na cena mais emocionante. Consertos e mais consertos, inúteis e caros. Dessa vez a decisão de dona Flor era irrevogável: não abriria mão de suas economias, sucedesse o que sucedesse. Afinal, tinha de colocar um paradeiro àquele abuso.
Foram-se as alunas numa revoada de risos e um tanto quanto desiludidas: era aquele sorumbático sujeito, num canto a cismar, o tão falado marido da professora, com fama de perigoso, de irresistível, o do caso com a Noémia Fagundes da Silva? Francamente, não lhes parecera digno de cobiça muito aquém da insolente legenda.
Dona Flor encontrou-se a sós com Vadinho, vis-à-vis com o seu medo, a boca amarga, opresso o coração. Erguendo-se num esforço, ele dirigiu-se à mesa, encheu um cálice de licor:
- Este troço é gostoso mas pega que é uma beleza, dá um pileque medonho, uma ressaca horrível… Dor de cabeça maior só com licor de jenipapo…
Queria parecer despreocupado, veio para junto dela, oferecendo-lhe uma gota do seu cálice, amável e terno:
- Prove, meu bem…
Mas dona Flor recusava, como recusava-se à carícia da mão a descer do cangote, no caminho dos seios pela abertura da blusa.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 87
Por azar, Vadinho encontrava-se escornado na sala quando o doutor Zitelmann Oliva se deu ao incómodo (ele tão ocupado com seus oito cargos todos de realce e importância) de vir pessoalmente a casa deles para pagar:
- estou com esse dinheiro no bolso há três dias… Lígia hoje só faltou me bater quando descobriu que eu ainda não tinha efectuado o pagamento…
- Ora, doutor não se preocupe… Que bobagem…
- Então seu Vadinho – pilheriava o figurão – o que é que você faz para sua mulher ficar cada vez mais moça e bonita? – conhecia dona Flor de menina e de há muito conhecia Vadinho que, de quando em quando, tentava mordê-lo (com poucos resultados, aliás, doutor Zitelman era duro na queda).
- Boa vida, doutor, a boa vida que ela leva. Casada com um marido como eu, que não dá dor de cabeça, não dá preocupações… vive a la godaça, descansada, feliz da vida… - ria seu riso despreocupado, tão contente! Dona Flor ria também de tamanho descaramento do marido.
Vadinho não lhe pedira dinheiro naquele dia. Com certeza ganhara na véspera, ainda tinha alguma reserva. Mas, quando ele apareceu de súbito na tarde seguinte, com aqueles olhos baixos, o rosto sério, quase triste, ela adivinhou de logo o motivo a trazê-lo: vinha pelo dinheiro. Enquanto as alunas sorviam o licor, saboreavam o bolo, álacres, com o olhares furtivos para o moço quieto, dona Flor, em silêncio, o coração sufocado, fez uma jura a si mesma, numa resolução terminante. Não lhe daria aquele dinheiro, nem todo nem uma pequena parcela, um real sequer. Destinava-o à compra de um novo aparelho de rádio. Ouvir rádio, eis o passatempo preferido de dona Flor, sua maior distracção: doida por sambas e canções, tangos e boleros, pelos programas cómicos, e, sobretudo, pelas novelas radiofónicas. Juntas, a ouvi-las, ela, dona Norma, dona Dinorá, e outras vizinhas, trémulas e vibrantes com o destino da condessa apaixonada pelo engenheiro pobre. Excepção. Só dona Gisa, num desprezo de erudita por tão baixa literatura.
O rádio, parte da sua bagagem de solteira, antiquado e gasto, só dava despesas, encrencando todos os dias, falhando nos momentos mais dramáticos, mudo na cena mais emocionante. Consertos e mais consertos, inúteis e caros. Dessa vez a decisão de dona Flor era irrevogável: não abriria mão de suas economias, sucedesse o que sucedesse. Afinal, tinha de colocar um paradeiro àquele abuso.
Foram-se as alunas numa revoada de risos e um tanto quanto desiludidas: era aquele sorumbático sujeito, num canto a cismar, o tão falado marido da professora, com fama de perigoso, de irresistível, o do caso com a Noémia Fagundes da Silva? Francamente, não lhes parecera digno de cobiça muito aquém da insolente legenda.
Dona Flor encontrou-se a sós com Vadinho, vis-à-vis com o seu medo, a boca amarga, opresso o coração. Erguendo-se num esforço, ele dirigiu-se à mesa, encheu um cálice de licor:
- Este troço é gostoso mas pega que é uma beleza, dá um pileque medonho, uma ressaca horrível… Dor de cabeça maior só com licor de jenipapo…
Queria parecer despreocupado, veio para junto dela, oferecendo-lhe uma gota do seu cálice, amável e terno:
- Prove, meu bem…
Mas dona Flor recusava, como recusava-se à carícia da mão a descer do cangote, no caminho dos seios pela abertura da blusa.
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