DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Por que Vadinho não levou consigo a febre a consumi-la, o desespero a intumescer-lhe os seios, a doer-lhe no ventre inconformado? É tempo de enterrar novamente seu morto e com o carrego inteiro: seus maltratos, suas ruindades, suas safadezas, sua alegria, sua graça, o generoso ímpeto; e tudo quanto ele plantou na mansidão de dona Flor, as fogueiras que acendeu, a dolorida ânsia, aquela loucura de amor, o desejo em brasa, ai, o criminoso desejo de viúva descarada!
Antes, porém, por uma vez ao menos, uma derradeira vez, ela o busca e o encontra e vai com ele, presa a seu braço. Vai nuns trinques de rica, como nos tempos de solteira, quando ela e Rosália, duas pobretonas, compareciam em festas em casas de burgueses opulentos e eram as mais bem vestidas, num tal capricho a sobrepujar o luxo das demais.
Ah!, noite sobre todas bela e terrível de novidade e surpresa, de medo e de exaltação, de humilhação e triunfo! Com as emoções da sala de dança e da sala de jogos, os nervos rotos, o coração em festa, noite mais imensa!
Por uma derradeira vez com ele, devagar. Passo a passo a reconstruir o absurdo itinerário daquela noite sem estrelas: a saída de casa, os dois e dona Gisa, a ceia, o tango, o espectáculo, as mulatas rebolando, as negras cantando, a roleta, o bacará, a afronta e a ternura, a volta no táxi do Cigano como nos velhos tempos, Vadinho numa impaciência tomando-lhe dos lábios ali mesmo, na vista de dona Gisa sorridente. Num frenesi a lhe arrancar e destruir o luxo do vestido apenas entraram no quarto:
- Não sei o que você tem hoje, meu bem, está um pedaço de mulher, e eu estou doido por você. Vamos, depressa… tu vai ver o que é vadiar, como tu nunca vadiou. É hoje o dia te prepara. Te dei o que tu pediu, agora tu vai pagar…
Caída no leito de ferro, estremeceu dona Flor. Nessa noite o fel se transformou em mel, novamente a dor abriu-se no supremo prazer; nunca fora ela égua tão em violência montada por seu fogoso garanhão, tão devassa cadela em cio e possuída, escrava submissa ao deboche, fêmea a percorrer todos os caminhos do desejo, campinas de flores e doçuras, florestas de sombras húmidas e proibidas veredas, até ao reduto final. Noite de penetrar as portas mais estreitas e trancadas, noite de render o último bastião de sua pudicícia, Oh! Deo gratias, aleluia! Quando o fel se transformou em mel e a dor foi o raro, o esquisito, o divino prazer, noite de dar-se e receber.
Foi no dia do aniversário de dona Flor e não fazia muito tempo, acontecera no último Dezembro, nas proximidades do Natal.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 100
Por que Vadinho não levou consigo a febre a consumi-la, o desespero a intumescer-lhe os seios, a doer-lhe no ventre inconformado? É tempo de enterrar novamente seu morto e com o carrego inteiro: seus maltratos, suas ruindades, suas safadezas, sua alegria, sua graça, o generoso ímpeto; e tudo quanto ele plantou na mansidão de dona Flor, as fogueiras que acendeu, a dolorida ânsia, aquela loucura de amor, o desejo em brasa, ai, o criminoso desejo de viúva descarada!
Antes, porém, por uma vez ao menos, uma derradeira vez, ela o busca e o encontra e vai com ele, presa a seu braço. Vai nuns trinques de rica, como nos tempos de solteira, quando ela e Rosália, duas pobretonas, compareciam em festas em casas de burgueses opulentos e eram as mais bem vestidas, num tal capricho a sobrepujar o luxo das demais.
Ah!, noite sobre todas bela e terrível de novidade e surpresa, de medo e de exaltação, de humilhação e triunfo! Com as emoções da sala de dança e da sala de jogos, os nervos rotos, o coração em festa, noite mais imensa!
Por uma derradeira vez com ele, devagar. Passo a passo a reconstruir o absurdo itinerário daquela noite sem estrelas: a saída de casa, os dois e dona Gisa, a ceia, o tango, o espectáculo, as mulatas rebolando, as negras cantando, a roleta, o bacará, a afronta e a ternura, a volta no táxi do Cigano como nos velhos tempos, Vadinho numa impaciência tomando-lhe dos lábios ali mesmo, na vista de dona Gisa sorridente. Num frenesi a lhe arrancar e destruir o luxo do vestido apenas entraram no quarto:
- Não sei o que você tem hoje, meu bem, está um pedaço de mulher, e eu estou doido por você. Vamos, depressa… tu vai ver o que é vadiar, como tu nunca vadiou. É hoje o dia te prepara. Te dei o que tu pediu, agora tu vai pagar…
Caída no leito de ferro, estremeceu dona Flor. Nessa noite o fel se transformou em mel, novamente a dor abriu-se no supremo prazer; nunca fora ela égua tão em violência montada por seu fogoso garanhão, tão devassa cadela em cio e possuída, escrava submissa ao deboche, fêmea a percorrer todos os caminhos do desejo, campinas de flores e doçuras, florestas de sombras húmidas e proibidas veredas, até ao reduto final. Noite de penetrar as portas mais estreitas e trancadas, noite de render o último bastião de sua pudicícia, Oh! Deo gratias, aleluia! Quando o fel se transformou em mel e a dor foi o raro, o esquisito, o divino prazer, noite de dar-se e receber.
Foi no dia do aniversário de dona Flor e não fazia muito tempo, acontecera no último Dezembro, nas proximidades do Natal.
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