sábado, abril 24, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS

EPISÓDIO Nº 102


- Mestre Vadinho – disse o carrasco, aliás um bom camarada, seu Jorge Tarquínio – tenho aqui um papagaio seu, vencido…

- Meu? Se eu não devo a ninguém… Só vendo…

- Pois veja e pague… - exibia-lhe a promissória.

Vadinho reconheceu sua firma e a do avalista:

- Mas, seu Tarquínio, se o título tem avalista, por que o senhor vem me meter susto, dizer que eu estou devendo… É só ir ao Raimundo Reis e cobrar, o homem é podre de rico, tem fazenda de gado, engenho de açúcar, banca de rábula, vai à europa todo o ano… é ele que o senhor tem de chamar aqui…

- É claro que fomos a ele primeiro, é o avalista… Mas ele diz que não paga de maneira nenhuma. Recusa-se…

Vadinho ia do espanto ao escândalo ante tamanho descaro:

- Disse que não paga, recusa-se? Mas veja o senhor, seu Tarquínio, tem de tudo nesse mundo… Que sujeito mais cínico e sem vergonha…! Fica no cabaré a arrotar riqueza, que tem léguas de terra, que mis gado e que mais açúcar, que faz e acontece, que comeu três mulheres de uma vez em Paris, um bafo de milionário. Vai daí, a gente confia, cai no conto do vigarista, aceita o aval como se o tipo fosse direito. Resultado: título vencido sem pagamento e o meu crédito abalado, o senhor me chamando aqui…

- Mas, Vadinho, afinal foi o senhor quem tomou o dinheiro emprestado…

- Ora, seu Tarquínio, pelo amor de Deus… Se esse peculatário não tinha capacidade para avalizar, por que veio se oferecer? Afinal ele assumiu ou não as responsabilidades, assumiu ou não o compromisso de pagar a dívida se eu não pagasse? Assumiu e eu fiquei bem do meu, descansado… E agora isso… Não está direito… São sujeitos assim que deixam a gente mal unto aos bancos… Quando o cara avaliza um título é porque está disposto a pagar, seu Tarquínio. Esse Raimundo Reis devia estar era na cadeia, caloteiro vagabundo…

Toda aquela absurda indignação com o fim de amansá-lo, de preparar-lhe o ânimo para a reforma do título, pensou seu Tarquínio já vencido. Qual o seu assombro quando Vadinho meteu a mão no bolso e puxou as inacreditáveis pelegas:

- Está vendo, seu Tarquínio, o prejuízo que esse tipo está me dando? É o resultado da gente se meter com esses tratantes… E eu que sempre escolhi os meus avalistas a dedo… Raimundo Reis, quem diria… É vivendo que se aprende…

Nem sentiu o desfalque, maré de sorte sem solução de continuidade, o dinheiro entrando a rodo, em fichas coloridas, saindo em notas e moedas, semana de ceias, de muita bebida e farras monumentais.

Desparrame de sorte a culminar em magna apoteose, na véspera. Vadinho tendo sonhado com seu Zé Sampaio, nem se deu ao trabalho de uma consulta ao livro de palpites, para quê? Urso, na certa, e assim foi: o urso desembestou na centena, na dezena e no grupo, lucro depois multiplicado no Tabaris, na lebre francesa e no bacará. Noite negra para os banqueiros de jogo pois Vadinho a atravessou ganhando, sem exagero mas com firme persistência, enquanto o negro Arigof, com o diabo no corpo naquela madrugada, levantara noventa e seis contos de réis em
menos de dez minutos, na roleta.

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