DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 108
Vadinho, sim, espalhava-se à farta, sem controle, por esse mundo afora, em cabarés e gafieiras, em forrobodós e fofocos, no Pálace, no Tabaris, no Flozô, com quengas e bruacas.
Em casa dos vizinhos tinham feito uma verdadeira exibição de sambas e foxes, de rancheiras e marchas. Doutor Ives e dona Êmina quiseram acompanhá-los – pretensão e água benta toda a gente tem – logo desistiram. Arrastavam os pés direitinho, mas para competir com dona Flor e Vadinho eram acanhados demais.
Uma coisa dançar em festinha de aniversário, muito outra sair pelo salão do Pálace nos apuros de um tango arrabalero, e logo aquele! Tudo começara quando, há sete anos atrás, ele a tirou para dançar aquele mesmo tango em casa do Major Pergentino. Saberia ainda dançá-lo tanto tempo depois e, ao demais, nessa noite quase mágica quando vem ao Pálace pela primeira vez? Sem adivinhar que essa primeira vez seria a última, primeira sem segunda, noite sem retorno.
Só agora, na solidão da memória e do desejo, ela se dá conta da importância de cada detalhe, por mais ínfimo, dessa noite de quimera: desde a entrada no salão de dança até ao derradeiro minuto de prazer infinito de desbragada impudicícia no leito de ferro, com ele a lhe cobrar, na raiz do seu corpo, o presente de aniversário: a ida ao Pálace.
Dois gestos de Vadinho, ambos igualmente ternos e imperiosos, marcam para dona Flor o início e o fim daquela noite de sortilégio. O primeiro, na hora do convite para o tango, quando, a sorrir, lhe estendeu a mão e assim a conduziu à pista de dança. O outro foi no leito em desalinho e tempestade: ele a volteou pelos ombros… Mas já o recordará, a esse tremendo gesto, quando a ele chegar em seu devido momento, nessa caminhada com Vadinho através da noite do seu aniversário. Vai devagar, passo a passo, detalhe a detalhe demorando nas escalas; arribará a cada porto de alegria, de medo ou de luxúria.
Na pista de dança o braço de Vadinho a envolve e ela sente seu corpo leve na cadência da música. Busca então dentro de si aquela mocinha em férias no Rio Vermelho, caladona, sem namorado, tímida no quadro do pintor sergipano, a colher flores no jardim de tia Lita e a desabrochar de súbito nas noites de quermesse quando a mão de Vadinho lhe acendeu seios e coxas e sua boca a queimou para sempre.
No salão do Pálace iam os dois a dançar, num tango de doçura e de volúpia, tão de jovens inocentes namorados e tão de lúbricos amantes. Era como se houvessem retornado ao fascínio da casa do Major, ao impacto do primeiro encontro, do primeiro olhar, do riso inicial, do enleio; sendo também os maduros amantes de sete anos depois, um tempo longo de padecer e amar.
Casta donzela, dona Flor, mocinha cândida; desabrochada mulher e ardente fêmea, dona Flor, nas mãos de Vadinho, seu marido. Tango igual a esse jamais fora dançado, assim transparente de ternura, assim obscuro de sensualidade. Até da sala de jogo veio gente apreciar.
O paulista dos livros, com sua experiência dos cabarés de são Paulo, Rio e Buenos Aires, e Zequito Mirabeau, com todo seu convencimento, deram-se por vencidos e abandonaram a pista toda inteira livre para Dona Flor e Vadinho para sua noite de paixão.
Quem era a dama de Vadinho? – perguntavam-se os habitues. Alguns sabiam, a informação se espalhou célere: “é a esposa dele, é a primeira vez que vem aqui…” A mais graciosa das irmãs Catunda, a do meio, fez um muxoxo de pouco caso, mordida de ciúme.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 108
Vadinho, sim, espalhava-se à farta, sem controle, por esse mundo afora, em cabarés e gafieiras, em forrobodós e fofocos, no Pálace, no Tabaris, no Flozô, com quengas e bruacas.
Em casa dos vizinhos tinham feito uma verdadeira exibição de sambas e foxes, de rancheiras e marchas. Doutor Ives e dona Êmina quiseram acompanhá-los – pretensão e água benta toda a gente tem – logo desistiram. Arrastavam os pés direitinho, mas para competir com dona Flor e Vadinho eram acanhados demais.
Uma coisa dançar em festinha de aniversário, muito outra sair pelo salão do Pálace nos apuros de um tango arrabalero, e logo aquele! Tudo começara quando, há sete anos atrás, ele a tirou para dançar aquele mesmo tango em casa do Major Pergentino. Saberia ainda dançá-lo tanto tempo depois e, ao demais, nessa noite quase mágica quando vem ao Pálace pela primeira vez? Sem adivinhar que essa primeira vez seria a última, primeira sem segunda, noite sem retorno.
Só agora, na solidão da memória e do desejo, ela se dá conta da importância de cada detalhe, por mais ínfimo, dessa noite de quimera: desde a entrada no salão de dança até ao derradeiro minuto de prazer infinito de desbragada impudicícia no leito de ferro, com ele a lhe cobrar, na raiz do seu corpo, o presente de aniversário: a ida ao Pálace.
Dois gestos de Vadinho, ambos igualmente ternos e imperiosos, marcam para dona Flor o início e o fim daquela noite de sortilégio. O primeiro, na hora do convite para o tango, quando, a sorrir, lhe estendeu a mão e assim a conduziu à pista de dança. O outro foi no leito em desalinho e tempestade: ele a volteou pelos ombros… Mas já o recordará, a esse tremendo gesto, quando a ele chegar em seu devido momento, nessa caminhada com Vadinho através da noite do seu aniversário. Vai devagar, passo a passo, detalhe a detalhe demorando nas escalas; arribará a cada porto de alegria, de medo ou de luxúria.
Na pista de dança o braço de Vadinho a envolve e ela sente seu corpo leve na cadência da música. Busca então dentro de si aquela mocinha em férias no Rio Vermelho, caladona, sem namorado, tímida no quadro do pintor sergipano, a colher flores no jardim de tia Lita e a desabrochar de súbito nas noites de quermesse quando a mão de Vadinho lhe acendeu seios e coxas e sua boca a queimou para sempre.
No salão do Pálace iam os dois a dançar, num tango de doçura e de volúpia, tão de jovens inocentes namorados e tão de lúbricos amantes. Era como se houvessem retornado ao fascínio da casa do Major, ao impacto do primeiro encontro, do primeiro olhar, do riso inicial, do enleio; sendo também os maduros amantes de sete anos depois, um tempo longo de padecer e amar.
Casta donzela, dona Flor, mocinha cândida; desabrochada mulher e ardente fêmea, dona Flor, nas mãos de Vadinho, seu marido. Tango igual a esse jamais fora dançado, assim transparente de ternura, assim obscuro de sensualidade. Até da sala de jogo veio gente apreciar.
O paulista dos livros, com sua experiência dos cabarés de são Paulo, Rio e Buenos Aires, e Zequito Mirabeau, com todo seu convencimento, deram-se por vencidos e abandonaram a pista toda inteira livre para Dona Flor e Vadinho para sua noite de paixão.
Quem era a dama de Vadinho? – perguntavam-se os habitues. Alguns sabiam, a informação se espalhou célere: “é a esposa dele, é a primeira vez que vem aqui…” A mais graciosa das irmãs Catunda, a do meio, fez um muxoxo de pouco caso, mordida de ciúme.
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