DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 113
Dona Flor enxergava Vadinho na outra sala, movendo-se ante a mesa da roleta, apostando cercado de homens e mulheres. A mulatinha viera colar-se-lhe ao lado e, em certo momento, descansou a mão em seu ombro e ali a manteve enquanto Vadinho seguia, tenso, o rodopio da bola na hora solene e decisiva. Dona Flor chegou a semi-levantar-se da cadeira numa indignação, sentindo-se naquela noite capaz de tudo, de escândalo e violência, de agir, se necessário, com a mais reles e perdida mulher-dama da esquina. Mas logo sorriu porque Vadinho, após o crupiê cantar o número fatal deu-se conta do gesto insolente de Zilda Catunda, desviou o ombro e algo ríspido lhe disse pois a atrevida sumiu num repelão de calundu.
Vadinho, após olhar dona Flor, veio vindo em sua direcção, as mãos cheias de fichas. Na mesa, Mirandão, enroscado nas perguntas sócio-económicas- sexuais de dona Gisa, consolava-se de sua ignorância com restos de vermute doce, um asco!
Vadinho curvou-se num segredo, a boca à altura do ouvido de dona Flor:
- Ouça, meu bem, só mais duas ou três paradas e a gente vai embora. Não demora nada, já mandei recado para o cigano esperar com o carro. Te prepara que hoje te vou dar uma surra de cama… - e, acercando ainda mais a boca, mordeu-lhe a orelha e a lambeu, brisa e labareda.
Dona Flor, o corpo em húmido arrepio, abriu-se num suspiro. Ah!, Vadinho mais doido, e se alguém visse, que não havia de dizer? Vadinho mais tirano, Vadinho mais sem jeito!
- Não demore…
As mãos prendendo as fichas, ele reassume o seu lugar em frente do crupiê na mesa da roleta. Um pouco curvado, os cabelos loiros, on atrevido bigode, a insolência do sorriso. Porreta.
Dona Flor o fitou longamente, ao seu Vadinho. Depois foi juntando cada detalhe daquela noite e cada instante de sua vida com ele, do começo ao fim, sem faltar nenhum: a dor e a alegria.
Da roleta Vadinho fez um sinal, era a última parada, o táxi do Cigano à espera, uns minutos apenas. “Não, meu querido, não mais irei contigo para a festa dessa noite quando a gota de fel rompeu-se em mel, mar imenso de dar e receber.”
Dona Flor fitou Vadinho para sempre na mesa de jogo, a ficha lançada no 17. Reunindo, então, o seu carrego todo inteiro, ela o enterrou no coração. Virou de bruços no leito de ferro, cerrou os olhos, dormiu seu sono sossegado.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 113
Dona Flor enxergava Vadinho na outra sala, movendo-se ante a mesa da roleta, apostando cercado de homens e mulheres. A mulatinha viera colar-se-lhe ao lado e, em certo momento, descansou a mão em seu ombro e ali a manteve enquanto Vadinho seguia, tenso, o rodopio da bola na hora solene e decisiva. Dona Flor chegou a semi-levantar-se da cadeira numa indignação, sentindo-se naquela noite capaz de tudo, de escândalo e violência, de agir, se necessário, com a mais reles e perdida mulher-dama da esquina. Mas logo sorriu porque Vadinho, após o crupiê cantar o número fatal deu-se conta do gesto insolente de Zilda Catunda, desviou o ombro e algo ríspido lhe disse pois a atrevida sumiu num repelão de calundu.
Vadinho, após olhar dona Flor, veio vindo em sua direcção, as mãos cheias de fichas. Na mesa, Mirandão, enroscado nas perguntas sócio-económicas- sexuais de dona Gisa, consolava-se de sua ignorância com restos de vermute doce, um asco!
Vadinho curvou-se num segredo, a boca à altura do ouvido de dona Flor:
- Ouça, meu bem, só mais duas ou três paradas e a gente vai embora. Não demora nada, já mandei recado para o cigano esperar com o carro. Te prepara que hoje te vou dar uma surra de cama… - e, acercando ainda mais a boca, mordeu-lhe a orelha e a lambeu, brisa e labareda.
Dona Flor, o corpo em húmido arrepio, abriu-se num suspiro. Ah!, Vadinho mais doido, e se alguém visse, que não havia de dizer? Vadinho mais tirano, Vadinho mais sem jeito!
- Não demore…
As mãos prendendo as fichas, ele reassume o seu lugar em frente do crupiê na mesa da roleta. Um pouco curvado, os cabelos loiros, on atrevido bigode, a insolência do sorriso. Porreta.
Dona Flor o fitou longamente, ao seu Vadinho. Depois foi juntando cada detalhe daquela noite e cada instante de sua vida com ele, do começo ao fim, sem faltar nenhum: a dor e a alegria.
Da roleta Vadinho fez um sinal, era a última parada, o táxi do Cigano à espera, uns minutos apenas. “Não, meu querido, não mais irei contigo para a festa dessa noite quando a gota de fel rompeu-se em mel, mar imenso de dar e receber.”
Dona Flor fitou Vadinho para sempre na mesa de jogo, a ficha lançada no 17. Reunindo, então, o seu carrego todo inteiro, ela o enterrou no coração. Virou de bruços no leito de ferro, cerrou os olhos, dormiu seu sono sossegado.
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