segunda-feira, maio 17, 2010


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


EPISÓDIO Nº 121




Zé Sampaio não pensava em nada nem queria pensar, queria apenas um pouco de sossego mas dona Dinorá disparara de tramela solta: seu Vivaldo, sem dúvida honesto contribuinte, esposo excelente, óptimo pai de família, punha tudo isso em perigo, pois jogador mais dia menos dia perde o controle e aposta até mulher e filhos. E, quando não os aposta, deixa-os aos Deus dará, ao abandono, em cruel desprezo.

Que melhor exemplo senão dona Flor? Enquanto vivo o mísero marido, escravo da jogatina, curtira as penas do inferno; maltratada, ao léu, sofrendo horrores… Vejam, hoje, a diferença: enfim liberta pode gozar a vida sem sobressaltos, sem agonias.

Falando em dona Flor, que acha o senhor, seu Sampaio, e você Norminha, meu bem, o que é que acha? Assim moderna e bonitona, não era uma injustiça continuar viúva, e de defunto tão pouco recomendável? Não era mesmo? Por que Norminha, amiga do peito, não lhe dava uns conselhos? Enquanto isso, ela, dona Dinorá, estudaria o caso na conjunção dos astros, com a bola de cristal e com os naipes dos seus baralhos de cartomante amadora.

Amadora só por não cobrar dinheiro, lendo o futuro de graça e por camaradagem, para atender pedidos, pois raras profissionais possuíam competência de advinha igual à sua. Pelo menos para descobrir salafrarices de qualquer espécie tinha uma intuição, um sexto sentido, um faro único. Um dom divinatório, atingindo o requinte da profecia.

Não foi ela quem prognosticou, com mais de um ano de antecipação, o escândalo medonho da família Leite, gente de muito dinheiro e maior orgulho, trancada atrás de muros de nobre mansão sobre o mar na Ladeira da Preguiça? Lera nos sebosos baralhos, olhara na bola de falso cristal, ou tão-somente seu sádico instinto a advertira?

Apenas a angelical Astrud, com o ar cândido de interna do Sacré-Coeure, chegou do Rio para habitar com a irmã, e logo dona Dinorá, sem nenhuma razão aparente previu o drama:

- Isso vai acabar mal…

Assim profetizara ao ver a moça no automóvel com o cunhado, doutor Francolino Leite - o “sátiro Franco”, para seu restrito círculo de íntimos – advogado de grandes firmas nacionais e estrangeiras, bebedor de uísque, fazendeiro no sertão e membro de Conselhos Directores de prósperas empresas, senhor da maior fidalguia e arrogância.

No volante do grande carro esporte americano, de piteira e cachecol, o causídico nem enxergava o bulício da gente simples do Sodré, do Areal, da rua da forca, do Cabeça, do Largo Dois de Julho. Mas dona Dinorá o enxergava, ao advogado, não o perdia de vista: a par dos menores detalhes da vida na mansão senhorial, íntima de cozinheiras, copeiras, babas, do jardineiro e do chofer, brechando cunhada e cunhado com olhos de pressentimento:

- Vai acabar mal, ora se vai… Pólvora perto de fogo…

Sem se comover com a postura inocente da estudante:

- Moça de olho baixo é descarada esperando ocasião…

Tão injusta e absurda parecia, a ponto de ter sido destratada, com palavras ásperas e gestos de repulsa, por um rapaz vizinho, Carlos Bastos, pouco amigo de disse-que-disse e talvez um pouco seduzido pela doce Astrud:

- Não conspurque a pureza da moça com a baba da calúnia…

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