DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Geralmente conhecido por Príncipe nos meios da vigarice e nos meios policiais (e onde é que estão os limites, se é que existem, a separar esses dois mundos na aparência opostos, na realidade idênticos?), o apelido ele o merecera por seus bons modos, sua lhaneza de trato, sua prosápia. Na intimidade afectuosa dos castelos, em círculos restritos de mulheres-damas, tratavam-no, porém, pelo místico apodo de Senhor dos Passos, alusão à sua face macerada e à sua magrém. Chamava-se realmente Eduardo, e era um dos mais simpáticos malandros da cidade, exímio passador do conto do vigário. Quanto ao sobrenome, não vai aqui citado por inútil e desnecessário à boa marcha da história de dona Flor e de seus dois maridos, a seu enredo e desenredo.
O Príncipe o escondia, a esse sobrenome; a polícia não o divulgou quando levada a trato mais directo com o bizarro moço, e os jornais, ao promovê-lo em suas colunas, noticiando-lhe a passagem (em geral rápida) pelo xadrez, tão pouco lhe compunham o patrocínio, substituindo-o pela vaga expressão “de tal”:
“Foi preso ontem, na Praça da Sé, sob a acusação de haver ilaqueado a boa fé da viúva Julieta Filho, com residência no Barbalho, ludibriando-a com noivado e promessas de casamento, para frequentar-lhe a casa e dar sumiço às jóias e a dois contos de réis da crédula apaixonada, o marginal Eduardo de tal, conhecido no submundo do crime pela alcunha do Príncipe.
Todos assim prudentes em homenagem à família do gatuno, gente de tradição e prestígio em Feira de Sant’Ana. Se dessa maneira agiam as autoridades, a imprensa falada e escrita e o próprio papa-resto-de-defunto, por que fazer destas discretas letras excepção sensacionalista, atirando ao desprezo público e aos cães do mexerico e do escândalo honra e nome da egrégia clã a merecer dos demais tanto respeito? Imagine-se o horror, se dona Dinorá e seu exército de beatas tomassem conhecimento da parentela do vigarista, nem os bisnetos conseguiriam limpar o nome dos avós para sempre “envolto em lama, afundado no pântano da infâmia” (como diria o professor Epaminondas Souza Pinto). Beatas, no entanto, todas elas cativas das maneiras das maneiras do Príncipe e de sua languidez. A própria dona Dinorá não tentara, em certo momento, modificar os termos da profecia para aproximá-las das características físicas do trapaceiro? As demais mergulharam unânimes na tristeza, quando Mirandão, tendo aparecido, com a esposa e dois ou três filhos, para visitar sua comadre dona Flor, deu a ficha completa do indivíduo: “aquilo de gente só tem o rasto…”
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 123
Geralmente conhecido por Príncipe nos meios da vigarice e nos meios policiais (e onde é que estão os limites, se é que existem, a separar esses dois mundos na aparência opostos, na realidade idênticos?), o apelido ele o merecera por seus bons modos, sua lhaneza de trato, sua prosápia. Na intimidade afectuosa dos castelos, em círculos restritos de mulheres-damas, tratavam-no, porém, pelo místico apodo de Senhor dos Passos, alusão à sua face macerada e à sua magrém. Chamava-se realmente Eduardo, e era um dos mais simpáticos malandros da cidade, exímio passador do conto do vigário. Quanto ao sobrenome, não vai aqui citado por inútil e desnecessário à boa marcha da história de dona Flor e de seus dois maridos, a seu enredo e desenredo.
O Príncipe o escondia, a esse sobrenome; a polícia não o divulgou quando levada a trato mais directo com o bizarro moço, e os jornais, ao promovê-lo em suas colunas, noticiando-lhe a passagem (em geral rápida) pelo xadrez, tão pouco lhe compunham o patrocínio, substituindo-o pela vaga expressão “de tal”:
“Foi preso ontem, na Praça da Sé, sob a acusação de haver ilaqueado a boa fé da viúva Julieta Filho, com residência no Barbalho, ludibriando-a com noivado e promessas de casamento, para frequentar-lhe a casa e dar sumiço às jóias e a dois contos de réis da crédula apaixonada, o marginal Eduardo de tal, conhecido no submundo do crime pela alcunha do Príncipe.
Todos assim prudentes em homenagem à família do gatuno, gente de tradição e prestígio em Feira de Sant’Ana. Se dessa maneira agiam as autoridades, a imprensa falada e escrita e o próprio papa-resto-de-defunto, por que fazer destas discretas letras excepção sensacionalista, atirando ao desprezo público e aos cães do mexerico e do escândalo honra e nome da egrégia clã a merecer dos demais tanto respeito? Imagine-se o horror, se dona Dinorá e seu exército de beatas tomassem conhecimento da parentela do vigarista, nem os bisnetos conseguiriam limpar o nome dos avós para sempre “envolto em lama, afundado no pântano da infâmia” (como diria o professor Epaminondas Souza Pinto). Beatas, no entanto, todas elas cativas das maneiras das maneiras do Príncipe e de sua languidez. A própria dona Dinorá não tentara, em certo momento, modificar os termos da profecia para aproximá-las das características físicas do trapaceiro? As demais mergulharam unânimes na tristeza, quando Mirandão, tendo aparecido, com a esposa e dois ou três filhos, para visitar sua comadre dona Flor, deu a ficha completa do indivíduo: “aquilo de gente só tem o rasto…”
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